Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia [2006]

Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia [2006]

Por Micael Machado

O jornalista, compositor, escritor, roteirista, produtor musical e letrista paulista Nelson Motta esteve presente em muitos dos momentos importantes da música brasileira nos últimos cinquenta anos (pelo menos), às vezes como testemunha, e outras como protagonista de fatos que, mais tarde, seriam considerados históricos em termos musicais. Em uma destas ocasiões, foi responsável por apresentar Tim Maia à “pimentinha” Elis Regina, em 1969. O encontro dos dois cantores gerou a gravação da canção “These Are The Songs”, que catapultou a carreira de Tim para o estrelato. A partir daí, o músico carioca e Motta criaram uma amizade que duraria, entre altos e baixos, até o falecimento do cantor, em 1998. Por isso, quando a biografia de Tim Maia foi lançada em 2006, não foi surpresa descobrir que o autor do livro (intitulado Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maiaera o amigo de longa data de Maia.
Sebastião Rodrigues Maia (nome de batismo de Tim) foi um dos mais importantes e controversos artistas da música brasileira da segunda metade do século passado. Sua história cheia de fatos pitorescos rendeu, através da excelente prosa de Motta, um livro agradabilíssimo de ler, divertido, instrutivo, detalhado e, por vezes, até mesmo emocionante. Da infância entregando marmitas no Rio de Janeiro aos primeiros passos musicais em grupos vocais de seu bairro (alguns ao lado de Roberto e Erasmo Carlos – sim, esses mesmos em que você está pensando!), do sofrimento com a morte do pai ao período passado nos Estados Unidos (onde acabou preso por, entre outros delitos menores, dirigir um carro roubado de Nova Iorque a Miami, mas onde também conheceu o soul e o funk norte-americanos, os quais traria de forma precursora ao país anos depois), dos tempos de pindaíba quando da volta ao Brasil (deportado pela justiça americana) ao sucesso retumbante na década de 1970, do conturbado período de ostracismo nos tempos em que se dedicou à seita do Racional Superior (que rendeu muitas decepções ao músico, mas também dois dos melhores discos da MPB em todos os tempos) à volta triunfante aos holofotes da mídia nos anos 80, da entrega às drogas e ao álcool durante o final daquela década e o começo da próxima (onde faltava com tanta frequência aos compromissos assumidos que chegava a causar surpresa quando comparecia a um de seus próprios shows) às tentativas de retomar a saúde e o sucesso nos anos imediatamente anteriores à sua morte, as quase quatrocentas páginas de Vale Tudo formam um relato imperdível não só para os fãs do cantor, mas também para todos aqueles interessados em saber o que de importante aconteceu na música produzida no país entre 1965 e o final do século XX.

Nelson Motta e Tim Maia juntos em Nova Iorque

As histórias e relatos (por vezes beirando o inverossímil, mas quase sempre engraçadas, e todas muito interessantes, graças à forte personalidade de Tim, que, como declara Motta, era um personagem de tal feita que nenhum ficcionista seria capaz de criar) sucedem-se de forma natural, bem como as análises feitas pelo autor da discografia do cantor e dos bastidores de suas gravações. A vida particular de Tim também não é deixada de lado, e a importância de sua família, de seus amigos e de suas (várias) mulheres é ressaltada ao longo de toda a narração da trajetória do “síndico” (apelido que recebeu de Jorge Benjor, eternizado na música “W/Brasil (Chama O Síndico)”). Destaca-se ainda, ao longo da leitura, as inclusões de termos “peculiares” do vocabulário do cantor, como “Bauret” (gíria para maconha eternizada pelos Mutantes no disco Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets, e cuja origem é esclarecida no livro), “Garrastazu” (um local no prédio onde estivesse no qual ele poderia se esconder e “queimar um bauret”), “Levadinho” (o cachê de seus trabalhos, que poderia ser um “levado” ou um “levadão” dependendo do tamanho) ou “Estratégia”, comando que, quando dado por Tim a seus músicos, significava algo como “abandonar o navio”, independente das consequências que a debandada fosse causar.

Chama a atenção também a quantidade de hits que o cantor gravou ao longo de sua carreira (mesmo eu, que nunca fui o mais dedicado fã deste artista, ao ler o nome das músicas de destaque em sua trajetória citadas por Motta ao longo da obra, lembrava quase que imediatamente a melodia e/ou a letra – ou pelo menos o refrão – de praticamente todas elas), assim como o grande número de personalidades que surgem aqui e ali ao longo das páginas do livro, em interações por vezes fugazes, por outras duradouras e permanentes na vida de Maia. Músicos, artistas, políticos, jogadores, muitas e muitas figuras conhecidíssimas, as quais normalmente não seriam associadas a um cantor tão popular quanto o biografado, acabam marcando presença em situações as mais variadas, e cujos rumos a personalidade forte e decidida de Tim poderia mudar rapidamente!

Algumas imagens das páginas do livro Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia

Depois de saber tudo isto a respeito do livro, o caro leitor há de estar pensando: “Ok, pode até ser interessante, mas eu já assisti ao filme (ou ao musical, ou ainda à minissérie exibida na televisão) baseado nesta obra aí, então já conheço a história, e não preciso perder meu precioso tempo me dedicando a conhecer um registro tão comprido (400 páginas, por favor, né?)”. Ledo engano, meu estimado amigo: o que você viu na tela (ou no palco) não corresponde, arrisco a dizer, a vinte por cento daquilo que consta nas páginas da biografia. E mesmo aquilo que foi selecionado para ser filmado (ou encenado) surge de forma mais extensa e detalhada no livro, tornando a leitura deste bastante prazerosa (e, sobretudo, indicada) mesmo aqueles que já tiveram a oportunidade de estar presentes às três mídias que usaram Vale Tudo como fonte de inspiração. Confira lá, e depois venha aqui me dizer que estou errado, caso tenha coragem!

18 comentários sobre “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia [2006]

  1. Taí um artista que foi levantado pela mídia e destruído pela mesma. O cara era fora do normal. Antes da fama “global”, as composições que ele criou são marcantes, não somente “These are the Songs”, magistral canção com a Elis citada no belo e motivador texto do Micael, “Jurema”, “Primavera (Vai Chuva)” ou “Azul da Cor do Mar”, isso só do primeiro álbum dele. Depois que a Globo pegou ele para corinho, os inúmeros clássicos então nem tem como colocar aqui. Mas não adianta, a fase Racional é a melhor de todas. Uma pena que seus discos viraram marco de aumento de preço significativamente em comparação aos outros, alavancando os vinis em preços exorbitantes.

    1. Bom, de um jeito ou de outro, todo mundo que atingiu o estrelato foi catapultado, também por uma razão ou outra, pela mídia. Não vejo isso como uma particularidade da carreira de Tim. Na verdade, o cantor começou a carreira fonográfica já na principal gravadora da época a operar no Brasil, a Philips (multinacional holandesa). Seu cast incluía os maiores best sellers da música brasileira, ao ponto de ser chamada de a Seleção Brasileira da Música. Seleção, contudo, sem Pelé: Roberto gravava pela CBS. Então Tim foi muito retardatário numa carreira de mídia (uns 10 anos de atraso em relação a seus chapas da Tijuca, Roberto, Erasmo e Jorge Ben), mas já entrou por cima!Nesse sentido sua afirmação pode ter algum sentido.
      Quanto à queda, se deveu sobretudo, e o livro deixa isso claro, ao caos permanente que era a vida pessoal de Tim…a instabilidade pessoal levava à crise na carreira, a súbitos empobrecimentos e a um descontrole geral da vida profissional.
      De todo modo, Tim tem uns bons 10 discos irretocáveis, altamente originais, de musicalidade maiúscula e imprescindíveis a todo mundo que gosta de rock e pop.
      Ah, acho o Nelson Motta um babaca lambe botas da Globo, mas o livro dele é excelente e merece ser lido. Assim como excelente ficou a resenha!

      1. É exatamente o que você citou que eu me referia, Eudes (em relação a ele ter começado bem depois, e alavancado apenas pela mídia).

  2. Tem um compositor e cantor californiano chamado Lee Michaels. Daqueles tipos que parecem nunca ter superado sua juventude riponga. Para quem não conhece, seus discos são ótimos e valem muito a pena. Lee Michaels teve um único disco lançado no Brasil, chamado Barrel, de 1970, pelo selo Odeon na mitológica capinha sanduíche, que eu reproduzo abaixo. Pois bem, lá pelas tantas desse livro (eu não vou me dar ao trabalho de saber em qual página), Motta conta uma passagem em que o Tim estava conversando com o engenheiro que iria fazer seu estúdio, o Vitória Régia. Tim sabia exatamente o que queria, tanto que deu ao engenheiro esse disco do Michaels e foi categórico: faz igual. http://www.allmusic.com/album/barrel-mw0000648455

    1. 5 Discos é mais simples, mas a DC comentada é complicada. Os discos pós-Racional são algo que não me aventurei a ouvir ainda.

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