Trio – Trio [1981]

Trio – Trio [1981]


Por Micael Machado

Bandas apenas com guitarra e bateria deixaram de ser incomuns quando, na última década do Século XX, o duo White Stripes atingiu o sucesso mundial. Entretanto, eles não foram os primeiros nem os últimos a abandonar o baixo ou os teclados e reduzir a instrumentação a seis cordas e um kit básico de percussão. Desde os anos 60, vários grupos seguiram este mesmo caminho. Um deles, que surgiu em 1980 na pequena cidade de Großenkneten, na Alemanha, leva o singelo nome de Trio, e, em 1981, lançou um disco que me acompanha há mais de 25 anos, sempre causando a mesma sensação de alegria e satisfação, além de ter me ensinado que é possível gostar de um disco mesmo sem ter quase nenhuma ideia do que está sendo cantado: o popularmente chamado “disco branco” (oficialmente denominado TRIO). 

Cria da chamada “Neue Deutsche Welle” (ou NDW, cuja tradução é “Nova Onda Alemã”, embora o conjunto prefira a denominação “Neue Deutsche Fröhlichkeit” – Nova Alegria Alemã – para definir sua sonoridade), estilo musical que unia características do punk e da new wave, o grupo tinha por objetivo (pelo menos no início) remover os adornos desnecessários à sua música, e criar melodias simples e envolventes a partir do mais básico necessário. Era comum o conjunto se apresentar com o baterista tocando em pé, com um kit composto apenas de caixa, bumbo, um único prato e um chimbau, usando apenas o pé e uma baqueta para executar as composições do Trio, ao mesmo tempo em que comia uma maçã (!). Possuindo todas estas características, sua estreia em vinil (o disco citado acima) é uma descoberta fascinante a quem se dispuser a explorá-lo.
Com uma capa totalmente branca, a não ser pela palavra “TRIO”, dois desenhos de corações (um deles com um “X” por cima) e a inscrição “Regenterstr.10a – 2907 Großenkneten 2 – Tel.: 04435/2300” (aparentemente, endereço e telefone do local onde a banda costumava ensaiar) escritas em preto, o disco não traz grandes doses de virtuosismo, não costuma estar em nenhuma lista de melhores de todos os tempos, e trata, na maioria das faixas, de assuntos os quais eu não tenho a menor ideia do que sejam, pois não entendo praticamente uma palavra de alemão. Porém, o que se encontra em suas quatorze faixas supera todo e qualquer conceito de “como uma música boa deve ser”, levando a um universo desconhecido e fascinante, além de ter rendido pelo menos um grande hit mundial, que nem chega a ser a melhor música do mesmo… 
Gert ‘Kralle’ Krawinkel, Stephan Remmler e Peter Behrens
A jornada começa com “Achtung Achtung”, uma curta vinheta na qual uma voz ao megafone nos avisa sobre algo ao som de uma guitarra preguiçosa e uma bateria reduzida a caixa e bumbo, alternadamente. Logo em seguida vem “Ja Ja Ja”, com seu riff de guitarra repetitivo (cortesia do guitarrista e eventual vocalista Gert “Kralle” Krawinkel, o “garra”) e bateria ao melhor estilo punk (executada por Peter Behrens, aquele da maçã, que também fazia alguns backing vocals), quando somos apresentados ao vocal insano de Stephan Remmler, grave e empolgante. Depois de um final falso, sinos introduzem a mórbida “Kummer” (“Tristeza”), com um ritmo lento e uma guitarra distorcidíssima, além da voz soturna e quase assustadora de Remmler. Sempre adorei esta música, que causa uma sensação de desesperança que qualquer fã de Sisters of Mercy ou do Joy Division apreciará bastante. 
Broken Hearts For You and Me” é a primeira música em inglês (com trechos em alemão), cujo título dá o clima de como é a canção, muito bela (além de bem calma), e da letra que trata sobre o final de um relacionamento (“Don’t you cry, just kiss me and goodbye”, diz certo trecho), além de apresentar o primeiro solo de guitarra do disco, com uma qualidade técnica de fazer Johnny Ramone parecer Yngwie Malmsteen, mas, mesmo assim, maravilhoso. “Nasty” é outra música quase punk, com uma levada safada como o nome sugere, e “Energie”, com seu clima de luau havaiano, em mundo ideal seria tocada por todos aqueles que pegam o violão numa rodinha ao redor do fogo em um acampamento (desde que se conseguisse pronunciar os versos iniciais, no idioma germânico). Fechando o lado A do vinil, temos “Los Paul”, com seus vocais em alemão através de um megafone, e uma verdadeira “viagem” musical em sua metade, com sirenes, vozes sobrepostas, notícias de rádio e muita distorção da guitarra de Gert. 
Trio
O lado B abre com “Da Da Da (I Don’t Love You You Don’t Love Me)”, a música que fez o Trio ser lembrado pela eternidade. Você pode até não estar ligando o nome à “pessoa”, mas com certeza já ouviu esta música um dia na vida, ou em algum dos muitos comerciais ou filmes que a utilizaram, ou em uma de suas muitas versões. “Da Da Da” foi um sucesso mundial (foi hit em pelo menos trinta países e vendeu mais de três milhões de cópias), e mostraria ao grupo o caminho a seguir dali em diante. Um clássico do pop oitentista, goste você ou não, que aqui aparece com uma letra em inglês (é, tem uma letra ali, não é só Da Da Da), ao invés da original em alemão, que foi lançada em single. 

Passado o momento pop, “Ya Ya” nos traz de volta à atmosfera punk, com uma levada divertida que é seguida pela rápida e “selvagem” “Ja Ja Wo Gehts Lank Peter Pank Schonen Dank”, cujo abrupto final dá lugar àquela que sempre achei a melhor faixa do disco e da carreira do grupo: “Sunday You Need Love Monday Be Alone”. No maravilhoso livro “Prezados Ouvintes”, o radialista Mauro Borba conta, em uma de suas crônicas, como esta música fez sucesso na rádio Ipanema FM de Porto Alegre, de uma forma quase casual, levando o disco a ser muito vendido na cidade no final dos anos 80. Considero “Sunday” uma canção extraordinária, apesar de certa vez, ao sugerir aos colegas de uma das bandas por onde toquei que fizéssemos um cover da mesma, o guitarrista ter dito, estarrecido: “mas em que porra de tom que está este troço?”. Eu que não sei, mas a música é simplesmente fantástica. Ouça e comprove. 
Halt Mich Fest Ich Werd Verruckt” é outra em que o “pogo” rola solto, enquanto “Sabine Sabine Sabine” é quase uma brincadeira, onde, ao que parece, Remmler fala com a namorada ao telefone, implorando por algo (Perdão? Atenção? Carinho? Quem souber alemão que me diga…). Esta é outra faixa com grande potencial comercial, mas que praticamente ninguém que não tenha o disco jamais ouviu por aí… 
Para finalizar, a curta e divertida vinheta que leva o nome da banda, nos deixando com um sorriso no rosto e a vontade de ouvir tudo de novo. 
O segundo disco, Bye Bye
Antes de se separar em 1985, o Trio ainda lançaria um segundo LP, Bye Bye (o popular “disco vermelho”, de 1983, e que nos Estados Unidos levou o nome de Trio And Error), muito mais pop e com a inclusão de teclados operados pelo vocalista Remmler. Por diversas vezes, vi um CD com uma capa igual à do primeiro disco, apenas com o acréscimo da palavra “Live”, o qual nunca soube se é um bootleg, um ao vivo oficial, um registro de um ensaio, nenhuma informação (embora alguns sites citem um disco chamado Trio live im Frühjahr 82, o qual não sei se é este), bem como nunca vi na minha frente uma cópia do mítico terceiro álbum, cuja lenda diz ser o “disco preto” (chamado What’s the Password, de 1985, cujas músicas compõem a trilha sonora para o filme “Drei Gegen Drei”, película estrelada pelos membros da banda), mas que deve ser mais raro que o primeiro compacto do Rush ou que o disco do Smile. Em 2009, apareceu nos “balaios” das lojas de CDs uma coletânea chamada The Best Of Trio, com versões em inglês para músicas originais em alemão (e vice-versa) e alguma faixas inéditas que, graças ao “informativo” encarte, não tenho a mínima noção de onde surgiram. E, em 2003, saiu no mercado uma versão “Deluxe”, dupla, do álbum de estreia, com  muitas faixas bônus, oriundas de demos e até de um raro EP lançado em 1980. Desnecessário dizer que definir essa versão como essencial é pouco!
Todos os músicos saíram em carreiras solo após o fim do grupo, mas apenas o vocalista Stephan Remmler conseguiu algum sucesso comercial em seu país natal, sendo que o baterista Peter Behrens também se tornou ator, participando de diversos filmes, além de ter se envolvido em diversos escândalos ligados a seu vício em álcool e drogas.
Stephan Remmler, 2006
O que sei é que, mais do que por causa de “Da Da Da”, o Trio deixou o seu nome na história, pelo menos na minha, onde o “disco branco” volta e meia cai na vitrola e não sai até chegar ao final do lado B. Dispa-se dos preconceitos e faça esta jornada você também. Mas, cuidado! Pois, se você curtir, pode transformar-se em um vício sem volta…
Track List:
1. Achtung Achtung
2. Ja Ja Ja
3. Kummer
4. Broken Hearts for You and Me
5. Nasty
6. Energie
7. Los Paul
8. Da Da Da I Don’t Love You You Don’t Love Me
9. Ya Ya
10. Ja Ja Wo Geht’s Lank Peter Pank Schönen Dank
11. Sunday You Need Love Monday Be Alone
12. Halt Mich Fest Ich Werd Verruckt
13. Sabine Sabine Sabine
14. Trio

15 comentários sobre “Trio – Trio [1981]

  1. Algumas vezes me surpreendo com os discos que aparecem por aqui. O Micael sabe o quanto gosto desse trabalho do Trio. Os alemães têm um senso de humor muito peculiar e estranho já que nos acostumamos a associá-los à sisudez. Puro preconceito. Essa fase da música alemã (a NDW) é muito divertida e maluquinha, com grupos de ótima sonoridade e inovações tecnológicas. O Trio me parece unir o stand up(coisa que o povo por lá adora)alemão à música new wave. São debochados, despretensiosos e dançantes ao extremo. Os clips da banda são pequenos scatchs e não é preciso entender o que cantam para dar risada. Quem ainda não conhece a banda, está perdendo. Muito bom , Micael.

  2. Valeu, Marco! Sempre é bom receber reconhecimento pelo que se faz!

    Infelizmente eu não conheço muito da NDW, algo que, ao que sei, tens muito a contar para nós! Fico no aguardo de que nos apresentes então mais bandas deste estilo, pois, se forem como o Trio, certamente serei uma das pessoas que irá curtir!

    Agora dá licença que vou ali ouvir "Sunday You Need Love" mais uma vez e já volto!

  3. Não sei se é viagem minha (e provavelmente é por causa dos vocais femininos), mas o Ideal me lembrou bastante o Blondie, principalmente no refrão. Tem que ser ou meio louco ou muito genial para usar aqueles instrumentos que a vocalista e o baterista tocam como elementos de destaque na melodia… muito bom!

    Tem uma chamada "Tränen am Hafen" que eu já não curti tanto, já aquela "Letzte Zugabe!" ao vivo no rockpalast já é mais legal! Vou ter de conferir mais dessa banda!

    Já o Hubert Kah me pareceu, pelo menos por esse clipe, mais na linha do Trio no lado do humor, mas falt aquela pegada "punk" que é o que me atraiu para o Trio. Muito popzinho para o que eu espereva, mas legal também…

    De qualquer modo, obrigado pelas indicações. Mas ainda fico com o Trio. É banda de coração, que que eu posso fazer?

  4. Péra um pouco. O babaca aqui dá o nome de umas bandas porque foi perguntado e quis ser gentil e vão logo julgando meu gosto musical. Qual é a dos irmãos Machado? Assim eu não brinco mais. Vou poupá-los daqui para a frente.

  5. Gaspa, por favor, não faça isso! Se minha capacidade para absorver música boa assim de primeira é ínfima, não é por isso que não deves continuar insistindo! Vá que um dia a gente aprenda?

    Tem que ver que nós dois somos lá das grotas remotas do interiorzão do RS, então essas coisas "modernas" da década de 80 são complicadas para nós… he he he he he!

    O Mairon mesmo, ainda tá descobrindo os discos de 1977… disco music ele nem sabe o que é ainda…

  6. Minha intenção foi só lhe dar um retorno sobre o que achei… mas você pensou mesmo que meus ouvidos entupidos de Rush e Supertramp iriam assimilar a NDW assim de primeira? hahahahahaha!

  7. Marco, desculpas e excusas totais. A ideia não era essa. Mil perdões. Na real, essa praia do Trio, Ideal e afins não é a minha, e eu adoro tirar um sarro (para quem gosta de Supertramp isso é muito pop, hahahahaha)

    ABração, e por favor, desculpa a brincadeira

  8. Mas quem falou que é pra assimilar NDW? Eu quero mais é que esses alemães muderninhos (na época, pelo menos) se danem. Eu só exemplifiquei uma resposta minha com as primeiras coisas que me vieram à mente. Daí a ser fã e apaixonado pelo som é outra história. Tem coisas que eu gosto e tenho discos e tem coisas que eu não gosto e também tenho discos, hehe… Como estamos (pelo menos eu acho)em um blog democrático, me senti à vontade para ilustrar seu post. Quer continuar se entupindo de rush e rush e mais rush e supertramp pra ajudar a descer, problema do senhor e dos seu vizinhos aí do interiorzão do RS.

  9. POis é MArco, o problema é que gosto de coisas pesadas né. Erasure, Buggles, Tears for Fears, Depeche Mode, …, essas coisas ai, trashzao sabe, daí bandas como essas da NDW é algo q eu, fanatico por trashzão a la Village People e Bee Gees, renego. Mas estamos ai abertos (opa, quer dizer, de ouvidos antenados) para esses novos sons dos anos 80. Alias, acabei de descobrir uma bandinha nova bem interessante, não sei se tu conheces marco, chamada KC & The Sunshine Band. Gostei do embalo deles. Mas acho q são uns guris ainda, devem ter muito para crescer. Esse disco deles, Do It Good, que é o primeiro, é bem interessante

  10. Valeu pelo post, Micael. Ainda nem ouvi o grupo, mas como tô estudando alemão vou conferir com certeza. Gostar são otros 500, hehe. Capaz de eu conferir essa Ideal tb.

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