Discografias Comentadas: King Crimson – Parte II

Discografias Comentadas: King Crimson – Parte II

King Crimson reunido em 1980: Tony Levin, Bill Bruford, Adrian Belew e Robert Fripp
Por Micael Machado
Após o primeiro encerramento de atividades do King Crimson, Robert Fripp foi trabalhar com Brian Eno, David Bowie, Peter Gabriel (ex-Genesis) e Debbie Harry (ex-Blondie). Influenciado pela então iniciante New Wave, Fripp começou a pensar na ideia de montar um novo grupo, e chamou Bill Bruford novamente para a bateria (sendo que o antigo colaborador andava fascinado com as baterias eletrônicas da época, trazendo esta sonoridade para a nova banda). Para o baixo veio Tony Levin, parceiro de Fripp na banda de Peter Gabriel, e para os vocais e segunda guitarra, Fripp convidou Adrian Belew, ex-Bowie e Frank Zappa, e que estava tocando com o Talking Heads. O novo grupo inicialmente se chamaria “Discipline”, mas Belew sugeriu que adotassem o antigo nome, e, com isso, o Rei Escarlate ressurgiu, depois de seis anos, com um novo ânimo e uma sonoridade renovada.

Discipline [1981]

Discipline foi o primeiro lançamento do renascido King Crimson. Com uma sonoridade bastante diferente daquela apresentada na década de 70, com muitas influências da New Wave, o disco pode soar estranho aos velhos fãs, mas tem muitas qualidades. O lado A é bem mais pop (para um disco do Rei Escarlate, bem entendido), e canções como “Elephant Talk”, “Frame By Frame” e “Matte Kudasai” demonstram bem a direção que Fripp queria dar à sua então nova banda. “The Sheltering Sky” e “Discipline”, as duas faixas instrumentais de encerramento, são as que musicalmente mais lembram o antigo Crimson, mas mesmo assim soam bastante diferenciadas da sonoridade daquele grupo. Este é o primeiro disco da “trilogia das cores”, e, para mim, o melhor deles.
Beat [1982]

Beat, o segundo disco da trilogia, é bem mais pop do que o anterior. Claro que não é um pop descartável de FM, mas suas canções são bem mais acessíveis que o catálogo antigo do grupo, levando-me a dar-lhes essa denominação. “Neil and Jack and Me” (com título e letra baseados no clássico livro “On The Road”, de Jack Kerouac), “Heartbeat” e “Waiting Man” são exemplos disso. A sonoridade mais experimental do velho Crimson, ainda que bastante influenciada pelos ritmos e timbres da época, aparece em “The Howler” (cujo título deriva do poema “The Howl”, de Allen Ginsberg), “Requiem” e na minha favorita do disco, a instrumental “Sartori in Tangier”. De toda a discografia do Rei Escarlate, este para mim é o álbum mais fraco, mas ainda assim possui muitos bons momentos.
Three of a Perfect Pair [1984]

Three of a Perfect Pair encerra a “trilogia das cores”. Seu estranho título talvez tenha relação com as divisões dos lados do LP. Se o lado A é mais acessível (assim como Beat), o lado B é mais experimental (como acontecia no lado B de Discipline). Assim, cada lado seria um terceiro lado de um dos discos anteriores, justificando o nome (algumas versões indicam que o nome seria baseado na teoria de que toda história possui três lados, o “meu”, o “seu” e a “verdade”, conceito bastante empregado no mundo das artes). No lado “pop”, destacam-se a faixa título, “Sleepless” e “Man With an Open Heart”. Já no lado B, o maior destaque é a terceira parte de “Larks’ Tongues In Aspic”, cujas duas primeiras aparições estavam no disco de mesmo nome, além de conter “Industry”, uma faixa que eu sempre achei quase inaudível em seus mais de sete minutos, e que, para minha surpresa, foi executada ao vivo pelo Stick Men Trio no show que assisti em Porto Alegre. A reedição em CD de 2001 trouxe várias faixas bônus, que adicionaram um “terceiro lado” para o disco, perdendo um pouco o sentido das divisões que explanei antes. Após o lançamento, Fripp teve problemas com a gravadora e seu management, colocando a banda na geladeira mais uma vez e dedicando-se ao seu curso de violão, o Guitar Craft. Mas ainda não era o definitivo final da trajetória do Rei Escarlate.

O Double Trio: Tony Levin, Pat Mastelotto, Bill Bruford e Trey Gunn (atrás),
Adrian Belew e Robert Fripp (à frente)
Thrak [1995]

Onze anos depois, o King Crimson estava de volta, com Fripp tendo montado a sua própria gravadora (a DGM) e assumindo de vez o comando de seus próprios negócios. Thrak trazia novamente na formação o quarteto da encarnação anterior, acrescidos de Trey Gunn no baixo (e sticks e warr guitars, assim como Tony Levin) e Pat Mastelotto na bateria e percussão, no único disco de estúdio da formação conhecida como “Double Trio”, se não contarmos o EP Vrooom, lançado ainda em 1994 como “aperitivo” para o álbum da volta, e cujas faixas aparecem em versões diferentes neste, com exceção de duas: “Cage” e “When I Say Stop, Continue”. Thrak já começa com tudo, com “Vrooom” e “Coda: Marine 475” lembrando os tempos de Red, com seus intrincados riffs, característica que é seguida na faixa título e no encerramento do álbum, com “Vrooom Vrooom” e “Vrooom Vrooom: Coda”. As excelentes “Dinosaur” (com um belíssimo trabalho de guitarras da dupla Fripp/Belew, principalmente na parte final) e “People” chegam a lembrar o lado mais pop da trilogia das cores, mas são mais progressivas e dissonantes que as canções daquela época. “Walking on Air” e “One Time” estão entre as melhores baladas já gravadas pela banda, enquanto “B’Boom” é quase uma nova versão para a clássica “The Talking Drum”. Um belo disco, apontando o caminho a ser seguido por esta nova encarnação do Rei Escarlate.
The ConstruKction of Light [2000]

Após a tour de promoção de Thrak, o grupo se dividiu nos chamados ProjeKCts, subgrupos de três a quatro membros da formação Double Trio, que tocavam basicamente música improvisada ao vivo visando gerar material para um futuro álbum do King Crimson. Alguns álbuns ao vivo chegaram a ser lançados pelos ProjeKCts, porém, na hora de voltar ao estúdio, a banda tinha em seu line-up o quarteto Fripp/Belew/Gunn/Mastelotto, com as ausências de Bruford e Levin. Essa formação foi responsável por The ConstruKction of Light, o disco mais cerebral de Fripp e companhia desde Red. A abertura com “ProzaKc Blues” não demonstra o verdadeiro direcionamento musical do álbum, o qual aparece na faixa título, com suas guitarras (as de Fripp e Belew, mais o “bass touch guitar” de Gunn) entrelaçando-se em intricados e envolventes padrões de escalas repetitivas e evolutivas, seguindo a fórmula que o King Crimson vez por outra adotava desde Larks’ Tongues in Aspic, enquanto Mastelotto marca o tempo com uma contagem que parece fazer sentido só para ele. É assim também em “FraKctured” (quase uma releitura de “Fracture”, do Starless and Bible Black) e na quarta parte de “Larks’ Tongues in Aspic” (bem melhor que a terceira, diga-se de passagem). “Into the Frying Pan” e “The World’s My Oyster Soup Kitchen Floor Wax Museum” fazem o papel das canções “normais”, dedicadas aos fãs da década de 1980, porém com escalas e padrões musicais bem mais “complicados” do que as músicas que apresentavam uma inclinação mais pop naquela época. Um dos melhores álbuns da carreira do Rei Escarlate, e um verdadeiro deleite para qualquer apreciador do progressivo mais “cabeça”.
The Power to Believe [2003]

Após o lançamento dos EPs Level Five e Happy With What You Have to Be Happy With (os quais contém algumas músicas exclusivas), o mesmo quarteto de The ConstruKction of Light gravou The Power to Believe, que manteve o estilo do disco anterior, sendo uma perfeita continuação para o mesmo. Entremeadas por várias vinhetas com o título do álbum, surgem músicas mais “cerebrais” e guitarrísticas, como “Level Five”, “Elektrik” e “Dangerous Curves”, faixas onde Fripp, Belew e Gunn seguem a fórmula de riffs repetitivos que parecem evoluir à medida que a música é construída, passeando por escalas e padrões bastante complicados de se executar, sempre amparados pela marcação de tempo “alienígena” de Mastelotto; canções mais “normais” (“Facts of Life” e “Happy With What You Have to Be Happy With”, duas das melhores letras já escritas por Belew dentro do King Crimson, sendo a segunda uma das composições mais pesadas já gravada pelo grupo); e até uma belíssima balada chamada “Eyes Wide Open”, digna sucessora das baladas de Thrak. Até aqui, este é o último disco de estúdio do Rei Escarlate, mas nada garante que seu reinado tenha acabado. A excursão mais recente do grupo data de 2008, com Tony Levin de volta ao baixo (e vários outros instrumentos, como sempre) e a adição de Gavin Harrison (do Porcupine Tree) na bateria, ao lado de Mastelotto. O jeito é aguardar e ver o que o futuro nos trará.
A formação de 2008: Pat Mastelotto, Adrian Belew, Robert Fripp, Gavin Harrison e Tony Levin
Desde que montou a gravadora DGM, Fripp vem lançando vários discos ao vivo do King Crimson, gravados desde 1969 até os anos 2000, a maioria deles dentro do chamado “Collector’s Club”, cuja filosofia inicial previa que, mediante uma taxa, o sócio do clube teria direito a discos exclusivos da banda. Este conceito foi depois abandonado, e os discos ficaram à venda pelos métodos tradicionais, além do site da própria DGM. Mais de trinta lançamentos deste estilo já surgiram no mercado, a maioria muito atraentes aos fãs do Rei Escarlate, e a fonte ainda não secou. Long Live the King!

15 comentários sobre “Discografias Comentadas: King Crimson – Parte II

  1. Apesar de não gostar desse retorno do King Crimsons, tem q se dar os parabens para o Micael pela boa descrição dos discos (apesar dos grandes elogios q e nao consigo perceber nesses albuns)

    Para mim, somente three of a perfect pair se escapa, e olhe la

    Como curiosidade, alguem sabe pq as 3 cores foram vermelho, amarelo e azul?

  2. Caro Micael
    Parabéns pelo texto.
    Vou inclusive usar um pedacinho dele (aquele que diz que toda a história possui três lados) da seguinte forma: o “meu” lado diz que essa nova fase do KC não emociona, o “seu” diz que ela é boa, mas a “verdade” é que Robert Fripp, à medida em que foi envelhecendo, potencializou todas as suas esquisitices e acabou virando um chato de galocha.
    Abração

  3. EU TENHO UMA PERGUNTA:
    PORQUE O ROBERT FRIPP SÓ TOCA SENTADO, PENSAVA QUE ELE TIVESSE ALGUM PROBLEMA FISICO, MAIS NÃO É.
    UM ABRAÇO.

  4. Pessoal, chegando agora do interior posso então responder às perguntas.

    Mairon, não sei mesmo porque as cores foram estas. Se fosse vermelho, azul e verde seriam as cores primárias. Mas o amarelo saiu desse contexto… E valeu pelo elogio!

    Diogo, realmente não curto muito a fase oitentista do KC. Tem coisas que gosto bastante, mas tem outras que não aguento não. O labo B inteiro do "Three of…" é um exemplo…

    Mister, obrigado pelo elogio. É gratificante ter o trabalho reconhecido.

    Caro anônimo, até onde sei, Fripp uma vez deu uma declaração de que, para ele, o formato da guitarra é ideal para ser tocado sentado, onde o músico poderia explorar todo o seu potencial, o que não ocorreria se ele tocasse em pé. Se é verdade não sei, mas ele crê que sim. Tanto que no começo ele tocava em pé, depois é que mudou de "estilo". Grato pela visita.

  5. Quanto às cores, acredito que a identidade visual resida no estilo semelhante, bastante simples, incluindo nome da banda e do álbum lado a lado, sempre na mesma fonte, e não em uma escolha específica de qual cor estampa cada capa.

    Em vários aspectos concordo com o Micael, como a classificação de "Beat" como um álbum mais pop ("Heartbeat" deve ser um extremo de toda a carreira do grupo), assim como o provavelmente mais fraco, não devido ao acento pop, mas à falta de composições mais memoráveis. "Discipline" é fantástico de cabo a rabo, corajoso e, pasmem, humilde! Humilde ao mostrar um KC não olhando apenas para o próprio rabo e tentando emular o que fez de melhor no passado, mas olhando para frente, e sendo influenciado por grupos que surgiram mesmo após o primeiro término de suas atividades.

    Deu pra notar que sou fã de "Discipline", mas se tenho que escolher qual meu "trio" favorito entre a segunda e a terceira volta, não hesito em ficar com a terceira, que, apesar de apresentar mais semelhanças com o passado, passa longe de fazer o KC parecer um "dinossauro".

    Há uma coisa sobre a qual o Micael não comentou, mas julgo muito importante, que é o trabalho de Adrian Belew como vocalista. O cara é dotado de um timbre por vezes estranhíssimo, alimentado por performances tão estranhas quanto, e não chega aos pés da habilidade de um Greg Lake ou de um John Wetton, mas sua responsabilidade pelos rumos do KC e a estabilidade trazida são fatores importantíssimos que me levam a saudá-lo.

  6. As cores primárias são três porque a visão colorida humana é tricromática. Mas na realidade, qualquer conjunto de três cores é capaz de sensibilizar nossa visão e oferecer toda uma gama de cores secundárias. O vermelho, verde e azul (as tais cores primárias) se prestam melhor para meios mecânicos (como as imagens da TV, por exemplo). Já os artistas gráficos preferem o vermelho, amarelo e azul (as tais cores dos discos da trilogia KC). Uma visitinha na wikipédia vai revelar que existem vários conjuntos de cores primárias, inclusive as psicológicas. E eu escrevi tudo isso porque fofocar e especular são duas das coisas mais bacanas desta vida. Então, o que me impede de pensar que, num surto de megalomania qualquer, nosso querido Fripp não usou as três cores da capa para dizer que o seu som oferece toda uma gama de sonoridade aos ouvidos? Ou, retomando a teoria da conspiração religiosa, que essas capas coloridas escondem mensagens do demo (sai, capeta)?
    E o Fripp prefere tocar naquela posição porque ele senta.

  7. Pessoal, não supervalorizem um assunto que talvez não seja digno de tanta especulação. As cores primárias são as das capas dos discos: vermelho, azul e amarelo. Verde é secundária, constituída da mistura de azul e amarelo. Só isso, pessoal, é identidade visual e pronto.

  8. Gaspa, essa das mensagens do demo nas capas da "trilogia das cores" eu não sabia… podes dar mais detalhes?

    E eu sempre achei que as três cores eram por causa das cores primárias mesmo, mas achava que no lugar do amarelo vinha o verde… algum estudioso das artes plásticas poderia dar mais explicações?

    Senão, que fosse verde, vermelho e amarelo, como homenagem ao RS, hahaha!

  9. Fácil, Micael.
    Aquela espécie de mandala no disco vermelho, é uma representação do 666 no formato de nós, simbolizando a amarração com o oculto.
    A nota musical da capa azul na realidade é uma foice que significa a morte musical do grupo.
    E na capa amarela, o símbolo é uma intersecção de duas pegadas de bode, o que dispensa explicações.
    Também faço amarrações para amor, trabalho e tiro olho gordo.

  10. LoL! Também já ouvi falar nas cores primárias incluindo tanto o verde como o amarelo. Acho que a versão do Gaspari é a correta, até pq ele citou a fonte suprema da wikipedia.

    Parabéns pelo texto, Micael! Dessa fase eu conheço apenas o Discipline – bacaninha – e o EP VROOOM, um disco realmente impactante e de muita qualidade, e que me dxa louco de curiosidade pra ouvir o Thrak. Como eu sou louco de curiosidade pra conhecer MUITA coisa, termina que até hoje nunca fui atrás desses discos, hehe. Mas essa matéria será muito útil na apreciação dessa segunda parte da carreira da banda. Long live the King! [2]

  11. Conheço pouco da banda, o álbum Red é o melhor cartão de visita a quem nunca ouviu… Fiquei fã.
    Os textos aqui são excelentes a mim que procuro referências …

  12. Não conheço todos. Mas dos que eu já ouvi, com certeza In the Court of Crimson King (1969) e Red(1974) são os melhores discos da banda. Verdadeiros clássicos do rock!

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