A malícia do Paice Ashton Lord

A malícia do Paice Ashton Lord

 

Por Mairon Machado
Após o fim do Deep Purple, em 1976, cada integrante partiu para um projeto diferente. Daquele time, formado por Glenn Hughes (baixo, voz), David Coverdale (voz), Tommy Bolin (guitarra, voz), Jon Lord (teclados) e Ian Paice (bateria), os três primeiros partiram para uma carreira solo de diferentes proporções, com Bolin sendo levado pelas drogas em 4 de dezembro de 1976, Hughes lançando Play Me Out (1977), ficando um bom tempo no ostracismo, e Coverdale fundando o Whitesnake, onde posteriormente Lord e Paice trabalhariam.
Antes, esses dois últimos participaram de um projeto que durou apenas alguns meses, mas suficientes para gravar um álbum, fazer uma turnê e deixar os fãs do Deep Purple alvoroçados com o estilo swingado e dançante deste novo grupo, batizado de Paice, Ashton & Lord.
Apesar do nome ser de um trio, com Ashton referindo-se ao tecladista/vocalista Tony Ashton, o Paice, Ashton & Lord na verdade era um quinteto, contando ainda com Bernie Marsden nas guitarras e vocais, e Paul Martinez no baixo. A sonoridade funkeada, puxada para o estilo Motown (antológica gravadora norte-americana especializada em soul music), agregava ao currículo de Paice e Lord estilos bem diferentes do que a dupla praticava quando participando no Deep Purple, até mesmo no álbum Come Taste the Band (1975), que talvez seja um pouco mais próximo ao trabalho do quinteto.
O primeiro encontro de Lord com Ashton ocorreu em 1970, durante um show do Deep Purple em Londres. Naquela época, Ashton pertencia ao trio Ashton, Gardner and Dyke, com quem gravou dois álbuns: Ashton, Gardner and Dyke (1969) e The Worst of Ashton, Gardner and Dyke (1970). A partir do  encontro com Lord, Ashton acabou sendo convidado para participar da trilha do filme The Last Rebel, a qual foi composta por Lord e teve na performance o trio Ashton, Gardner and Dyke, juntos de Lord e da Royal Liverpool Orchestra.
Álbum de Jon Lord e Tony Ashton
Ashton lançou o terceiro disco com o trio, What a Bloody Lona Day it’s Been (1972), indo parar no Family, com quem registrou o álbum It’s Only a Movie (1973). No ano seguinte, voltou a se encontrar com Lord, participando do projeto First of the Big Bands, que foi lançado em vinil com o mesmo título. Antes, ele já havia participado de dois álbuns solo de Lord: Gemini Suite (1971) e Windows (1974). Em março de 1976, Lord reativou seu contato com Ashton, agora com a finalidade de montar um grupo na linha da fase soul  de Jeff Beck.
Anúncio em busca de músicos para o novo grupo

Ashton concordou, desde que o baterista fosse Ian Paice, o que não foi difícil de conseguir. O próximo passo foi achar um guitarrista e um baixista. Através de um anúncio em jornais ingleses, o qual continha a seguinte mensagem: “Banda britânica procura baixista e guitarrista britânico para formar um novo grupo de rock junto de três músicos bem estabelecidos…”, surgiram os nomes de Paul Martinez e Bernie Marsden.

Martinez estava trabalhando no grupo Stretch, enquanto Marsden era o guitarrista principal do Babe Ruth,  onde gravou os álbuns Stealin’ Home (1975) e Kid’s Stuff (1976). Além disso foi protagonista da entrada de Michael Schenker no UFO, já que, durante sua curta estadia no grupo, um problema com seu passaporte não permitiu sua entrada na Alemanha, onde o UFO estava fazendo uma turnê. Assim, Schenker o substituiu, acabando por conquistar o mundo com o álbum Phenomenon (1974). Com o UFO, Marsden gravou apenas o single “Give Her the Gun” (1973). Depois, ainda participou do Cozy Powell’s Hammer, gravando o single “Na Na Na” (1974), e também do Wild Turkey, onde registrou o álbum Don’t Dare to Forget (1974).
O único registro do Paice, Ashton & Lord

Os ensaios logo começaram, bem como os shows, ocorrendo a estreia oficial do Paice, Ashton & Lord no dia 21 de agosto de 1976. Em 20 de setembro, já estavam no Musicland Studios de Munique, de onde saíram em 30 de outubro com o único álbum do grupo gravado. Contando com a participação de Howie Casey (saxofone, ex-Wings), Dave Caswell (trompete, trombone e flugelhorn, um tipo de trompete), Reg Brooks (trombone), Gilbert Dall’enese (saxofone, clarinete), Sheila McKinley e Janette McKinley (vocais), Malice in Wonderland foi lançado em 4 de março de 1977, mostrando uma mistura perfeita dos timbres do órgão de Lord com os teclados de Ashton, sendo suportados pela excelente cozinha formada por Marsden, Paice e Martinez, além dos belíssimos arranjos para o naipe de metais.

O álbum abre com “Ghost Story”, onde o órgão de Lord e ruídos de vento são seguidos pela levada de baixo, guitarra e bateria. Ashton adiciona teclados, trazendo os vocais de Ashton. Os metais modificam a canção, fazendo um tema que nos leva ao baixo funkeado, enquanto a cadência de Paice também muda. Os metais então entoam o tema central, para o órgão voltar aos acordes iniciais e à sequência da letra.

A seguir, “Remember the Good Times” apresenta o riff motown da guitarra de Marsden, acompanhado por Paice e Martinez, enquanto Lord e Ashton fazem os acordes nos teclados, trazendo os vocais de Ashton. Os vocais femininos aparecem no refrão,  bem como os metais, e os embalos funk seguem durante o resto da canção, destacando o solo de Marsden, acompanhado pelo bom arranjo de metais.

Bernie Marsden
A balada motowniana “Arabella (Tell Me)”  possui piano elétrico, baixo e bateria acompanhando os vocais femininos em um clima suave, transformando-se com a entrada dos vocais e dos acordes com efeitos da guitarra de Marsden. O solo central é feito por Casey, com uma bela participação do baixo, fazendo um bom e swingado andamento.
“Silas & Jerome” vem a seguir, com o riff marcado do órgão, guitarra e baixo, com Paice acompanhando em batidas cadenciadas durante a introdução dessa que é a canção mais Deep Purple do álbum, bem similar às linhas da Mark IV. Os metais também estão presentes fazendo acordes entres as pontes das estrofes, e acompanhando o ótimo solo de Marsden.
Por fim, “Dance With My Baby” apresenta acordes de piano em um rock anos 50, que, seguidos por um tema dos metais e um dançante boogie, encerra o lado A com o ânimo lá em cima, destacando as vocalizações de Marsden e o coral feminino.
Contracapa de Malice in Wonderland

“On the Road Again” abre o lado B com o swing de Paice apresentando o tema dos sintetizadores. A guitarra é responsável pelos acordes funkeados que trazem os vocais de Ashton e Marsden, em uma canção similar às do Trapeze na era Hot Wire (1974). A sessão instrumental possui um bom solo de Marsden, levado pelo andamento swingado de Paice e Martinez, voltando ao andamento original e ao encerramento da letra, fechando a canção com um bom solo de flugelhorn.

Ashton e Lord abrem “Sneaky Private Lee” com seus teclados, e um crescendo da bateria leva para a entrada de baixo e guitarra, em uma levada cavalgante e swingada. Os metais introduzem a voz de Ashton, cantando suavemente, com as vocalizações femininas presentes no refrão e com Paice sendo o centro das atenções, em um acompanhamento recheado de viradas. Marsden, solando com o slide, também chama a atenção do ouvinte, adiantando gloriosos momentos que o lançariam posteriormente no Whitesnake.

Jon Lord, Paul Martinez e dupla de vozes femininas
A bela “I’m Gonna Stop Drinkin'” começa com o dedilhado do piano apresentando essa linda balada blueseira, onde Ashton canta tristemente, acompanhado por baixo, bateria e acordes de piano. Sintetizadores e guitarra são adicionados aos poucos, chegando ao belo refrão, com as vocalizações femininas e os vocais de Marsden dando mais sentimento aos tristes vocais de Ashton. O solo de hammond feito por Lord é o maior momento da canção.
A faixa-título “Malice in Wonderland” encerra o LP com sintetizadores e batidas no chimbal acompanhando a guitarra de Marsden, e o funk é liberado com a entrada do baixo e do órgão fazendo o tema central. Os vocais roucos de Ashton encaixam-se perfeitamente na proposta funk da canção, e a sessão central é muito bem construída, encerrando o LP com um show de Ashton no piano e de Lord no hammond.
O nome do álbum, Malice in Wonderland, surgiu quando o grupo estava hospedado no hotel Arabella, em Munique, e presenciou a um americano bêbado que tentava pronunciar o nome do filme “Alice in Wonderland” (Alice no País das Maravilhas). Ashton compôs grande parte das letras do LP, que teve produção de Martin Birch, que já havia trabalhado nos principais álbuns do Deep Purple.

Depois de gravado Malice in Wonderland, começou a produção do palco para a turnê de divulgação, bem como a gravação de um documentário sobre a banda. O grupo decidiu excursionar apenas pela Inglaterra, fazendo sua estreia no programa Sight & Sound in Concert, da BBC inglesa, no dia 19 de março de 1977. Uma semana depois, já estavam nos palcos de Birmingham, tendo como banda de abertura o grupo Bandit. Nos shows, destacavam-se os duelos entre Lord, Ashton e Marsden, bem como a sensacional participação do naipe de metais.

Jon Lord e Tony Ashton (1990)
Após a curta sequência de shows, voltam para a Alemanha, onde começaram a gravar o segundo álbum. Com 75% do material finalizado, sem nenhum motivo aparente, Lord e Ashton decidiram não tocar mais o projeto adiante. Marsden ingressou no Whitesnake enquanto Lord, Paice e Martinez acompanharam a vocalista Maggie Bell. Lord e Paice acabariam integrando o Whitesnake meses depois, enquanto Martinez seguiu carreira como músico de estúdio, tocando ao lado de Robert Plant, Peter Gabriel, Dave Edmunds e George Harrison, sendo baixista do Led Zeppelin na reunião no Live Aid de 1985, ao lado de Jimmy Page, Robert Plant e John Paul Jones. Já Ashton seguiu carreira como produtor, vindo a trabalhar posteriormente com Lord no álbum solo Before I Forget (1982).
BBC Radio 1 Live in Concert

 

Paice, Ashton & Lord foi um dos grandes projetos na música. Mesmo não sendo considerado um supergrupo como West, Bruce & Laing ou Blind Faith, o registro de Malice in Wonderland é suficiente para fazer valer as doletas a serem investidas nesse fantástico álbum. Em 1992 foi lançado o CD BBC Radio 1 Live in Concert, trazendo a apresentação do grupo no programa Sight & Sound, e, em 2007, o DVD de mesmo título chegou às lojas com o mesmo show na íntegra.

 

Ian Paice

O relançamento em CD de Malice in Wonderland contou com uma remasterização da obra original e mais trinta minutos de material inédito, onde estão incluídas algumas faixas que pertenceriam ao segundo álbum da banda, que são “Steam Roller Blues”, “Black and White”, “Goodbye Hello LA”, “Ballad of Mr. Giver”, “Dance Coming”, “Untitled Two”, “Nasty Clavinet” e “Moonburn”. Essas quatro últimas não possuem a adição de vocais. As novas faixas mostram que o novo álbum prometia, com uma sonoridade mais funkeada que o álbum de estreia.

Ashton faleceu em 28 de maio de 2001. Lord, por sua vez, curte sua aposentadoria, enquanto Paice está na ativa com o Deep Purple. Martinez permanece como músico de estúdio e Marsden dedica seu tempo à carreira solo, unindo-se vez que outra com seus ex-colegas de Whitesnake para eventos e shows promocionais.

2 comentários sobre “A malícia do Paice Ashton Lord

  1. ouvi esta banda pela 1º vez ano apssado e amei ..

    acho q é uma evolução do ritmo funkeado do ultimo disco do DP..

    não sei se é uma pena q a banda tenha acabado já q o lord e paice foram pro WS e sem eles vai saber o q teria acontecido com a banda do Coverdale..

    mas foi uma bela banda..

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