A união de Neal Morse, Nick D’Virgilio e Ross Jennings

A união de Neal Morse, Nick D’Virgilio e Ross Jennings

Por Fernando Bueno

Quem conhece Neal Morse sabe que é difícil de acompanhar seus lançamentos e projetos. O músico é um conhecido workaholic e o fato de ser dono de um estúdio e praticamente morar dentro dele potencializa suas produções. Além do estúdio ele tem um selo para lançar o material que produz, a Radiant Records, além de um serviço de streaming próprio chamado Waterfall. Esse é o motivo de serem raros os lançamentos com sua participação estarem presentes no Spotify, por exemplo. Então não foi surpresa quando apareceu uma nova empreitada junto de outros dois músicos proeminentes no rock progressivo atual.

Atuar em um desses chamados supergrupos não é estranho para Neal Morse. Os discos com o Transatlantic, o Flying Colors ou até mesmo o trio Morse, Portnoy & George já fazia parte de sua extensa discografia. Sua carreira após sua saída do Spock’s Beard é tão longa que é até difícil de resumir em algumas poucas linhas.

O projeto musical envolvendo Nick D’Virgilio, Neal Morse e Ross Jennings se desenvolveu durante o período de lockdown na época da pandemia de COVID-19. Muitos músicos buscaram colaborações remotas e foi nesse contexto que surgiu a ideia de um projeto mais acústico e focado nos vocais. Neal Morse, que sempre gostou de explorar harmonias vocais e formatos diferentes de seus trabalhos progressivos habituais, foi um dos catalisadores da ideia.

Nick D’Virgilio é um antigo companheiro de banda de Neal Morse. Foi baterista do Spock’s Beard enquanto Morse era seus líder e assumiu os vocais após sua saída. Algum tempo depois também deixou a banda e desde 2009 faz parte do Big Big Train. Recentemente também excursionou com o Mr. Big, gravando o mais novo álbum da banda no ano de 2024. Já Ross Jennings pode ser considerado o caçula da empreitada apesar de sua banda principal, o Haken, já estar bem estabelecida atualmente como uma das forças do metal progressivo contemporâneo. A convivência dos três ao longo de todos esses anos no circuito do progressivo reuniu antigos companheiros e aproximou Jennings dos dois.

O projeto musical envolvendo os três culminou no lançamento do álbum Troika em fevereiro de 2022, sob o selo Inside Out Music. O álbum marcou uma mudança significativa no estilo habitual de todos os envolvidos. Em vez de grandes composições progressivas com arranjos complexos, o foco aqui foi em canções acústicas baseadas em harmonias vocais de três vozes, letras mais introspectivas, humanas e acessíveis e instrumentação leve, mais folk, com uso de violões, piano e percussões suaves. A comparação com o que faziam Crosby, Still & Nash ou até mesmo o Crosby, Stills Nash & Young é imediata. Porém queria também acrescentar mais um grupo aqui para fazer o leitor/ouvinte fazer um paralelo, o America. Na parte instrumental os três se revezam em vários instrumentos ao longo das músicas sendo que a bateria e percussão ficaram completamente a cargo de Nick D’Virgilio e os teclados com Neal Morse. Porém violões, guitarras, baixo e outros instrumentos de cordas cada um deles gravou alguma coisa em alguma música.

O significado da palavra ‘Troika’, de origem russa (тройка), é literalmente ‘trio” ou ‘conjunto de três’. Ela é usada em diferentes contextos, entre eles o de três pessoas trabalhando em conjunto, especialmente em um grupo com autoridades ou responsabilidades iguais, o de uma carruagem puxada por três cavalos lado a lado, um símbolo clássico da cultura russa e, em política, uma aliança ou coalizão de três líderes (alguém se lembrou também do Triumvirat?). Um nome perfeito para um trio musical dessas características.

Cada músico contribuiu com composições próprias e os três se revezaram nos vocais principais, criando um equilíbrio dinâmico e emocional. A produção foi feita em conjunto, com gravações feitas remotamente durante o período de restrições de viagens. Troika foi bem recebido pelos fãs mais abertos à novidades. Muitos destacaram a química vocal entre os três músicos, a qualidade das composições, que mesmo simples, mantém um alto padrão melódico e o frescor do projeto em contraste com os trabalhos mais densos dos músicos envolvidos. A participação de Jennings causou um pouco de surpresa, pois dos três ele é mais relacionado ao metal progressivo mais técnico do Haken e ouvi-lo em um ambiente de calmaria e sutileza foi uma surpresa muito bem vinda. As faixas de destaque dessa primeira empreitada são “Julia”, “You Set My Soul on Fire” e “What You Leave Behind”, porém estou certo de que dificilmente alguém vai ficar pulando faixas.

O projeto foi tratado, pelo menos publicamente, inicialmente como um “one-off” (colaboração única), porém, sem alarde, ainda em 2023 chega às lojas Sophomore, a continuação e, por que não, uma expansão do conceito criado, pois além dos elementos folk, acústicos e das melodias mais simples foram introduzidos elementos de soft rock, pop progressivo e até soul music. A sonoridade ainda é baseada em música acústica e vocal, mas com mais variedade instrumental com uso maior de teclados, percussão elaborada e algumas faixas com toques elétricos sutis. As composições mostram mais ousadia rítmica e arranjos mais complexos do que no primeiro disco. Porém, os vocais, destaque do projeto, continuam excelentes, mas há maior equilíbrio entre vozes solo e corais. Só para citar algumas faixas, pois, novamente, o todo é muito forte, eu ficaria com “Anywhere the Wind Blows”, “The Weary One”, “Tiny Little Fires” e “A Change Is Gonna Come”.

O nome ‘Sophomore’ significa algo como segundo ano, e no caso representa o segundo disco, é uma brincadeira com o conceito do teste de maturidade de uma banda após o lançamento de seu debut. E nesse sentido, o disco entrega mais profundidade e refinamento que Troika, sem perder o apelo acessível.

Até o momento, não há anúncios oficiais sobre um terceiro álbum do trio D’Virgilio, Morse & Jennings. No entanto, há indícios de que os músicos estão abertos à possibilidade de continuar o projeto. Em entrevistas, Nick D’Virgilio mencionou que a ideia de um segundo álbum estava sim sempre e que o processo de criação de Sophomore foi mais espontâneo e rápido do que o do primeiro disco. Além disso, o trio realizou apresentações ao vivo, como no Morsefest 2024/2025, indicando uma colaboração contínua entre os membros. Embora cada integrante esteja envolvido em outros projetos musicais, a química demonstrada nas performances ao vivo e a receptividade positiva dos fãs sugerem que futuras colaborações não podem ser descartadas. Esperemos.

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