Entrevista: Negendre Arbo (Quintal de Clorofila)

Entrevista: Negendre Arbo (Quintal de Clorofila)

Por Mairon Machado

Um dos grandes nomes do rock progressivo nacional está de volta à ativa. Negendre Arbo, vocalista, violonista, letrista, poeta e fundador do grupo Quintal de Clorofila, está relançando, através do site ONErpm.com seu álbum Secret Face, lançado originalmente em 2002. Negendre concedeu-nos uma rápida entrevista via telefone, onde comenta sobre como está sendo feito esse relançamento, origens e histórias referentes ao Quintal de Clorofila, e o famoso/obscuro álbum O Mistério dos Quintais, além de divulgar surpresas relacionadas com a banda. Confira!


Com a Pipa chinesa, em 2013.

Obrigado por compartilhar um pouco de sua história conosco. Negendre, você está relançando o álbum Secret Face (2002) através do sistema OneRPM. Conte-nos como surgiu essa oportunidade, e o que consta nesse relançamento.
Já faz algum tempo que eu venho procurando a melhor maneira de publicar nosso trabalho.
Coloquei músicas na SoundCloud, PalcoMp3, Myspace, em meu website e muitos outros locais. Mas só agora creio ter encontrado a maneira de fazer disso realmente um trabalho, em que exista o retorno material que vai possibilitar dedicar mais tempo para compor, tocar, gravar, enfim fazer aquilo que mais nos dá prazer.
Outra coisa que de certa maneira acelerou nossa decisão, foram os lançamentos sem nossa autorização que Discos Mariposa e Granadilla Music fizeram do disco O Mistério dos Quintais.

O álbum Secret Face, relançado via ONErpm

Há a possibilidade de O Mistério dos Quintais ser relançado nesse formato?
Remasterizei O Mistério dos Quintais, corrigindo o Pitch e a velocidade que foi acelerada quase imperceptivelmente na prensagem do vinil, e esse será o próximo álbum a ser publicado também na ONErpm.com.

Poxa, que legal! E haverá alguma novidade a mais nesse lançamento?

Sim, sim. Terá uma regravação das “Alamedas” para colocar como faixa-bônus.

Como surgiu a ideia de criar O Quintal de Clorofila?
Quando penso nisso sempre me vem a sensação de que nosso caminho não poderia ter sido diferente, as descobertas, as vivências mais primais, e as mais elevadas, as viagens, os amores, os mandamentos do mar e as leis da estrada, os tantos personagens e as paisagens que faziam tua vida ser um roteiro cinematográfico maravilhoso, terrível, transcendente e insano…
Nós éramos, eu e Dimitri, dois adolescentes quando a música nos aliciou, e depois disso em certo sentido nunca mais crescemos. Se hoje tenho uma carteira de trabalho em branco como saiu da gráfica é reflexo daquele tempo.
Minha Identidade é de 1982.
Um amigo disse “você não é mais aquele cara”. Percebi que se hoje me sinto um tanto deslocado nesse mundo é porque na verdade nunca deixei de ser aquele cabeludo com uma puta ressaca que olha pra mim do fundo do tempo sempre que abro minha carteira.

DA ESQUERDA PARA DIREITA NEGENDRE, DIMITRI E O POETA ANTÔNIO CARLOS ARBO, PAI DOS ARTISTAS

Vocês sempre tocaram em dupla e no formato acústico, ou em algum momento o Quintal foi um grupo elétrico?
Sempre misturamos tudo, desde o começo.

O álbum O Mistério dos Quintais tornou-se um dos mais cobiçados discos no mercado do vinil. Quantas cópias foram lançadas originalmente?
Poucas, foram prensados 2.000 discos que vendemos a maior parte nos shows.

Como foi o processo de divulgação do material durante a década de 80, já que o álbum saiu pouco antes do boom do BRock?
Lançamos O Mistério dos Quintais no teatro Renascença em Porto Alegre e depois saímos viajando com ele.

A dupla ao vivo no Teatro Guaíra, Curitiba

Como vocês encaram o fato de muitos dos lojistas estão vendendo-o, há algum tempo, por preços exorbitantes? Há algum retorno financeiro para vocês?
Retorno nenhum, mas são coisas distintas o disco de vinil que é parte dos 2.000 originais que hoje é vendido como raridade e os piratas que são vendidos em CD e vinil que recentemente foi fabricado sem nossa autorização.

O famoso disco O Mistério dos Quintais, única obra lançada pelo Quintal de Clorofila

O relançamento que a italiana Granadilla Music fez, em 2014, com os bônus “O Vento e o Trigo” e “Liverpool”, assim como a argentina Discos Mariposa (2006), chegou a ser tratado com vocês?
Nunca nos contataram.

As qualidades musicais das canções do álbum são inegáveis. Como era criar música de tamanho gabarito usando instrumentos acústicos e artesanais?
Era uma coisa natural, nos motivava uma espécie de guerrilha que eu, o Dimitri e nosso pai Antônio Carlos Arbo, acreditávamos que devia ser travada em nome de algo que parecia estar morrendo na arte, e a mediocridade começava a dominar os espaços tirando da arte o lirismo e a poética de viver. Lutar pela preservação do lirismo e da poesia era bom.
A técnica e a teoria nos foi dada pela UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) com seus cursos de Prática Instrumental, Teoria, Harmonia, Canto Lírico e outros.

Ao vivo no Teatro Renascença

Vocês já conseguiram, de alguma forma, apresentar “Liverpool” para alguns dos beatles?
Hahahahaha

Além de Beatles, quais outras bandas/artistas influenciaram na sua carreira, o que você acompanha da música nacional e internacional nos dias de hoje?
Nos 70’s Jethro Tull, Yes, Deep Purple, Black Sabbath, Pink Floyd, Focus e outros.

Nos 80’s Mike Oldfield, Egberto Gismonti, Pat Metheny, a música medieval dos alaudistas, os instrumentos primitivos como flautas andinas e tambores indígenas.

Hoje… além das gravações antigas destes caras todos e obras atuais dos que ainda estão na ativa como Jethro Tull, Pink Floyd e Gismonti, tenho me voltado para o oriente.
Há algum tempo comprei um Baglama árabe, uma Pipa chinesa e um Daf Drum do Kurdistão. São instrumentos cuja mecânica provoca o surgimento de melodias e harmonias completamente novas e muito interessantes.
Pra evitar ouvir mediocridades ligo as rádios da internet e ouço coisas do Paquistão, Coréia do Sul, Istambul, Rússia, Egito, quanto mais longe menor a probabilidade de ser surpreendido por uma dupla sertaneja ou uma diva do funk.

“O Violão, o Bouzouky japonês, o Baglama turco e a Pipa chinesa. Novas maneiras de tocar (ou muito, muito antigas), novas escalas e ritmos.” (Negendre Arbo)

Existem canções com participação do grupo em LPs de Festivais, como o Vidima e o Projeto Cantares. Há material inédito do Quintal que possa ser lançado junto com essas canções?
Aqueles festivais eram acontecimentos que sempre pareciam feiras medievais, muita embriaguez em todos os sentidos, e muito lirismo também. É difícil reunir hoje aquele material, mas não impossível.

O que cada um fez após a dissolução da banda?
Eu já estava trabalhando com editoração gráfica e webdesign, o Dimitri tinha seu caminho e voltou para Porto Alegre onde seguiu fazendo música. Mantivemos contato sempre e fizemos vários trabalhos juntos. É dessa época o disco inédito Temporal (1995) que também publicaremos na ONErpm.com.
Hoje ele está aqui em Foz e o ciclo prossegue.

Quais as lembranças do show de reunião da dupla em 2008, nas cidades de Porto Alegre e Capão da Canoa, e como surgiu aquela ideia?
Você estava lá, foi uma coisa boa, uma visita ao passado, para mim foi uma experiência mística reviver e rever aquelas esquinas noturnas de Porto Alegre.

Entrevistador e entrevistado, em 2008.

Depois disso, vocês chegaram a se reunir novamente? 
Nos reunimos agora pra inventar coisas musicais pra fazer, não dá pra ficar mais sem tocar, quando fico muito tempo sem compor e tocar me sinto um desertor, não é uma emoção saudável.

E como foi, no passar dos anos, ver o crescimento do Quintal em termos de seguidores de fãs pelo Brasil e pelo mundo?

Sensacional! Eu juntei bastante e-mails, contatos, com um monte de gente, através das redes sociais. Tem uma república de estudantes, em Bauru, que botou o nome de Quintal de Clorofila, e tem mais de 800 pessoas lá! É super legal, um baita retorno, que nos motiva a trabalhar novamente.

Muito obrigado novamente, e por favor, deixe um recado para seus fãs.
Deixo um poema em prosa:
Te deixo o que sobrou do meu ingênuo credo nas coisas antigas, do eco distante das vozes hoje já quase inaudíveis, da imagem enevoada das praças noturnas, das esquinas perdidas e das melodias das canções que estão sendo esquecidas.
Esquecidas por nós, os insanos e irresponsáveis doces pecadores que de cabeça erguida e olhos vermelhos punham as pupilas dilatadas no céu e do céu éramos donos.
Te deixo o que restou dos meus sonhos coloridos de neón lisérgico e pagão, do meu coração velho e enferrujado que como um patético carrinho de fricção quebrado hoje só roda muito devagar.
Minha vida é só a frágil e infantil certeza de que que não fomos enganados, de que é melhor a insegurança dos espaços abertos do que a falsa estabilidade dos corações fechados.
Porque se algo de tudo o que havia em mim sobrou foi porque nunca acreditei em castigos, porque sempre que pequei foi por amor, sorrindo.
Porque mesmo que os portadores de crachás insistam em me contradizer, ainda sou dono do céu.
Ainda sou o último a abandonar as esquinas enevoadas e não vendi minhas ilusões por 30 moedas frias de uma vida estereotipada.
Te deixo o que sobrou como um convite à transgressão.
Embarque em meu delírio como no trenzinho do parque e talvez você possa ser dona(o) do céu mais uma vez“.
(Negendre Arbo, de Cartas para Lilith)

Links:
ONErpm: https://www.onerpm.com/disco/album&album_number=8098979102
Number1: http://www.numberonemusic.com/negendrearbo
Youtube Aveleiras: https://www.youtube.com/watch?v=ptEcOa9IYHM
Youtube Negendre: http://www.youtube.com/watch?v=Pq9_bgLtr9Y
Youtube Dimitri: https://www.youtube.com/watch?v=vJDCkAaDVCY
WordPress: http://wptemporal.negendre.com.br/wp
Soundcloud: https://soundcloud.com/negendre-arbo
Myspace: http://www.myspace.com/negendre
Facebook: https://www.facebook.com/negendre.arbo
Palcomp3: http://palcomp3.com/negendre

5 comentários sobre “Entrevista: Negendre Arbo (Quintal de Clorofila)

  1. Espero poder vê-los novamente nos palcos como naquela ocasião em 1980, quando não faltaram estrelas e vozes carregadas de apaixonante lirismo, solos arrebatadores e músicas inesquecíveis na noite santa-mariense.

  2. Feliz retorno, Negendre Arbo!
    Que venham musicas e letras como só vocês sabem fazer! (de uma colega da mãe de vocês e que vibrou quando o A.Carlo Arbo me recebeu no seu programa de Rádio)!
    Abraços

  3. Gente! Que viagem fiz, ao ler a entrevista. Fui colega de aula de Dimitri(1979), e via o Negendre lá pelo colégio Coronel Pilar em Sta Maria. Por onde anda Dimitri? Formou família? E seus pais? Desejos de muito sucesso!

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