Cinco Discos Para Conhecer: O Krautrock

Cinco Discos Para Conhecer: O Krautrock

Por Marco Gaspari

Não foi o hard rock que fez os ingleses prestarem atenção nas bandas alemãs do comecinho dos anos 70. Também não foi o rock progressivo ou a psicodelia. Foi a Kosmische Musik que surpreendeu a critica musical inglesa a ponto de um jornalista, Ian MacDonald, na falta de um rótulo melhor, usar de todo o histórico preconceituoso dos ingleses para com os alemães para chamá-la de rock chucrute, ou Krautrock.

Já publiquei algumas matérias relacionadas ao Krautrock aqui na Consultoria do Rock, então não gostaria de ficar me repetindo em definições, até porque definir a Kosmische Musik acaba virando uma salada de repolho. E kraut é uma das palavras alemãs para repolho. A outra é kohl. Sauerkohl e sauerkraut são sinônimos, sendo que a primeira expressão tem seu uso limitado na Alemanha enquanto que é a segunda, sauerkraut, aquela que ganhou o mundo como definição do prato “chucrute”.

Kraut historicamente também é uma expressão étnica alemã para definir “o homem alemão” e deriva justamente de sua fonte culinária mais popular, o sauerkraut.

A Inglaterra, como potência marítima, descobriu as virtudes do chucrute no século 17, pois começou a reparar que os marinheiros alemães usavam o sauerkraut para se alimentarem no mar nas longas viagens, uma vez que aquele repolho salgado não se estragava facilmente. Foi a partir daí que a expressão sauerkraut foi incorporada ao vocabulário inglês. Se pegar qualquer dicionário português/inglês e procurar a tradução inglesa para a palavra chucrute vai encontrar sauerkraut.

E vem justamente daí o uso pelos ingleses (e seus aliados) do termo kraut para se referir aos nazistas na Segunda Guerra Mundial. É preconceituoso sim, tanto que grande parte dos músicos da tal Kosmische Musik tiveram problemas em aceitar o rótulo Krautrock que, com o tempo, acabou definindo toda e qualquer produção roqueira vinda da Alemanha.

Escolher cinco discos não é tarefa fácil, já que o verdadeiro Krautrock alemão foi muito rico em bandas com extensa discografia, mas vamos lá.


Foto 2Witthüser & Westrupp – Trips Und Träume [1971]

Se naquela época eu morasse na zona rural da Alemanha e, caminhando em meio à bruma da manhã, encontrasse dois cogumelos nascidos da bosta de uma vaca germânica qualquer, não teria dúvidas: batizaria um de Bernd Witthüsere o outro de Walter Westrupp. O folk cósmico da dupla neste seu segundo disco pelo selo Ohr é, na falta de palavras precisas para descrever – tarefa árdua – o som que emana dos sulcos do vinil, hipnótico e alucinante. E como toda banda alemã, a familiaridade com algumas passagens nos leva a buscar correspondentes ingleses e americanos. Posso citar a Incredible String Band de um lado e Tim Buckley do outro, mas apenas como um recurso para que o leitor tenha alguma ideia de que diabos estes teutões tinham na cabeça. Os mais chegados ao progressivo inglês provavelmente gostarão mais do próximo disco da dupla, Der Jesuspilz (1972) que, inclusive, tem na capa uma fantástica ilustração de um… cogumelo. Ouça Trippo Nova aqui.

Bernd Roland (baixo), Renee Zucker (flauta, percussão), Bernd Witthüser (vocais, guitarras), Walter Westrupp (vocais, trompete, trombone, flauta, cítara)

1. Lasst Uns Auf Die Reise Gehn
2. Trippo Nova
3. Orienta
4. Illusion 1
5. Karlchen
6. Englischer Walzer
7. Nimm Einen Joint,


Foto 3Tangerine Dream – Electronic Meditation [1970]

Tangerine Dream tem tanto tempo de estrada que se no lugar de arrecadar direitos autorais ela explorasse pedágio, Edgar Froese seria um dos músicos mais ricos da história. Seu legado é um dos mais importantes e influentes do Krautrock, abrindo um leque que vai da psicodelia à new age, sem contar que suas trilhas sonoras têm mais horas de escurinho do cinema do que John Wayne de xerife. Foi também a primeira banda underground de Berlim a conseguir um contrato de gravação, isso em 1969, e foi daí que surgiu seu disco de estreia, Electronic Meditation, que de eletrônico não tem nada a não ser efeitos de pedais e delays. Isso mesmo, o primeiro disco da banda pela gravadora Ohr, ao contrário das posteriores pérolas do eletrônico cósmico gravadas pela banda, tem desde flauta até cello, passando por guitarras, bateria, órgão, piano e até vidros quebrados. São instrumentos convencionais, mas o som que Edgar Froese, Klaus Schulze, Conny Schnitzler e Thomas Keyserling deixaram registrado aqui é um dos mais extraordinários exemplos de como a psicodelia alemã sabia transar com a vanguarda sem soar papai e mamãe nos resultados ou promíscua na pretensão. Ouça o disco completo aqui.

Conny Schnitzler (violoncelo, violino, guitarra, efeitos), Claus Schultze (bateria, percussão), Thomas Keyserling (flauta), Edgar Froese (guitarra, órgão, piano, percussão), Jimmy Jackson (órgão)

  1. Geburt
  2. Reise Durch Ein Brennendes Gehirn
  3. Kalter Rauch
  4. Asche Zu Asche
  5. Auferstehung

Amon Düül II – Wolf City [1972]

Foto 4Entre todos os maravilhosos discos lançados por esta banda, escolhi Wolf City porque nunca Renate Knaup, a cantora, soou tão Yoko Ono. E para quem não sabe, não quer saber ou tem raiva de quem sabe, a japa Ono era muito conceituada nas altas esferas artísticas da Alemanha dos anos 60. Tanto que seu casamento com John Lennon foi a metáfora vívida de que a vanguarda podia seduzir o pop e, no caso alemão, engravidar e gerar um krautrock loirinho e catarrento. Mas voltando a Wolf City, a banda nessas alturas já havia estourado em Londres e sua sonoridade passa a incorporar muitos daqueles elementos progressivos tão familiares aos ouvidos de seu novo público. E é o primeiro disco do Amon DüülII repleto de, pasmem, canções. No entanto, se alguém souber me citar uma única banda inglesa que lembre o Amon Düül II deste disco, vai ganhar um delicioso salsichão acompanhado de salada de batatas e chucrute. E olha que já li comparações com Pavlov’s Dog e até mesmo The Who, mas isso só pode ser fruto de alguma indigestão. Ouça o disco completo aqui.

D. Secundus Fichescher (violão, vocais, bateria, guitarras), John Weinzierl (vocais, guitarras), Renate Knaup-Krötenschwanz, (vocais), Lothar Meid (baixo), Falk-U. Rogner (órgão, clavinete, sintetizadores), Chris Karrer (guitarras),
Convidados
Jimmy Jackson (órgão, piano)
Al Sri Al Gromer (cítara)
Chris Karrer (saxofone)
Olaf Kübler (saxofone, vocais)
Lothar Meid (sintetizadores, vocais)
Peter Leopold (sintetizadores, tímbal, vocais)
Pandit Shankar Lal (tabla)
Liz Van Nelenhoff (tambura)
Chris Karrer (violão de 12 cordas, violino)
Paul Heyda (violino)
Rolf Zacher (vocais)
1. Surrounded By The Stars
2. Green Bubble Raincoated Man
3. Jail-House Frog
4. Wolf City
5. Wie Der Wind Am Ende Einer Strasse
6. Deutsch Nepal
7. Sleepwalker’s Timeless Bridge

Foto 5Faust – Faust IV [1973]

Fato: qualquer um dos primeiros discos do Faust são artefatos esquisitos e extraordinários. A banda nasceu para rivalizar com o Can e o Kraftwerk, mas com uma surpreendente pretensão, pelo menos para quem já ouviu seus discos: vender. Quem gostou deles logo de cara foi John Peel e o público inglês foi na cola. Este quarto disco, o primeiro inédito deles pelo selo inglês Virgin (houve outro pouco antes, The Faust Tapes, mas com out-takes e gravações de um programa do John Peel), embora ainda radical no conteúdo, já apresenta um som bem mais convencional e palatável para os padrões faustianos. Temos aqui a instrumental Krautrock, que muita gente acredita ter sido a origem do nome que batizou o movimento, talvez porque o lançamento de Faust IV de certa forma coincidiu com os artigos da série German Calling escritos por Ian Macdonalda partir de dezembro de 1972 na New Musical Express. Faust IV é, sem dúvida, o melhor disco para quem quiser começar a se aventurar no som da banda. Mas recomendo levar bastante água e mantimentos, porque se perder nesta aventura é muito comum.

Ouça Krautrock aqui.

Werner “Zappi” Diermaier (bateria), Hans Joachim Irmler (órgão), Jean-Hervé Péron (baixo), Rudolf Sosna (guitarra, teclados), Gunter Wüsthoff (saxofone, sintetizadores)

  1. Krautrock
  2. The Sad Skinhead
  3. Jennifer
  4. Just A Second
  5. Picnic On A Frozen River, Deuxieme Tableau
  6. Giggy Smile
  7. Läuft… Heisst Das Es Läuft Oder Es Kommt Bald… Läuft
  8. It’s A Bit Of A Pain

Foto 6Mammut – Mammut [1971]

Com certeza seria de bom tom aproveitar este espaço para recomendar um disco do Can, do Guru Guru, do Neu! ou de outra banda mais expressiva no cenário do Krautrock, mas quem me conhece sabe que eu não resisto a tirar uma banda obscura da cartola. Neste caso, em vez de um coelho, tirei logo um mamute, talvez o melhor exemplo de como se faz hard rock nos padrões krautroquianos. Pouco se sabe desta banda cujo disco foi lançado de forma privada pelo selo Mouse Trick Track Music e que logo se tornou uma raridade, alcançando hoje o status de legendário. O que eu li por aí é que a banda citava o disco Deep Purple In Rock como sua principal influência, mas ou eles não conseguiam copiar a banda inglesa ou um espírito alemão convenientemente baixou nos músicos e não deixou as coisas desandarem para o famoso mais do mesmo. Melhor dizendo: todos os elementos estão lá, órgão pirotécnico, solos de guitarra e peso paquidérmico, mas com um jeitinho todo alemão de ser. E antes que eu me esqueça, todas as músicas têm Mammut no nome. Um verdadeiro estouro da manada.

Ouça o disco completo aqui.

Tilo Herrmann (baixo, flauta, vocais), Günter Seier (bateria, percussão), Peter Schnur (guitarra, violão, vocais), Klaus Schnur (guitarra, violão, vocais), Rainer Hoffmann (piano, órgão)

1. Bird Mammut
2. Classical Mammut
3. Mammut Ecstasy
4. Footmachine Mammut
5. Short Mammut
6. Shizoyd Mammut
7. Nähgarn Mammut
8. Mammut Opera

4 comentários sobre “Cinco Discos Para Conhecer: O Krautrock

  1. Ah!!! Matéria sensacional!!! Irei ler com calma quando chegar em casa. Valeu Marco, como sempre com matérias fantásticas. Abraços

    (Diego S. A. – Guarulhos, SP)

  2. Primeira vez que parei por aqui foi num desses posts, graças a essa página consegui ouvir Neu! … Hoje vim novamente conferir o que há de novo.
    Vou experimentar, sei que tudo que é falado por aqui é de bom gosto.
    🙂

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