Tralhas do Porão: Trettioariga Kriget

Tralhas do Porão: Trettioariga Kriget

Por Ronaldo Rodrigues

O rock na Suécia era vibrante desde a alvorada psicodélica do fim dos anos 60, tendo incorporado quase todas as tendências do rock britânico e americano. Uma horda de grupos buscava seu lugar ao sol naquela ocasião e pouquíssimos conseguiram cravar seus nomes para além de mero reconhecimento local. Ao longo do início dos anos 70, o rock foi ficando estruturalmente mais complexo e isso aconteceu de forma muito presente na trajetória de uma destas bandas que ainda hoje repercute na história do rock sueco, o Trettioåriga Kriget.

O palavrão sueco significa, em uma tradução livre, Guerra dos Trinta Anos. O termo é genérico para uma série de conflitos sangrentos ocorridos na Europa no século XVII e que marca o início da ascenção do império sueco. A Suécia foi uma potência regional durante cerca de um século, conquistando territórios inclusive na região das américas (EUA) e da África.

Mas voltando aos idos de 1970, dois estudantes da cidade litorânea de Saltsjöbaden – Stefan Fredin e Olle Thörnvall – assistiam uma aula de história que tratava sobre a “Trettioåriga Kriget” e eis que encontraram ali um bom nome para a banda que estavam montando. O grupo se completava com outros quatro integrantes – Dag Lundquist, Johan Gullberg, Dag Kronlund e Pocke Ohrström. O sexteto tinha dois bateristas e um gaitista e o som, ainda embrionário, buscava absorver tudo que rolava de influências de blues e rock psicodélico. No ano seguinte, este núcleo inicial foi se desmanchando, com as saídas de Pocke Ohrström, guitarrista, e do segundo baterista Johan Gullberg. Ingressa na banda Robert Zima, para assumir a guitarra e os vocais e o antes sexteto torna-se um quarteto, com os fundadores Stefan Fredin (baixo) e Olle Thörnvall (gaita), mais Dag Lundquist (bateria) e Robert Zima.

Robert Zima, porém não era um guitarrista de muitas habilidades. O grupo então decidiu que ele cuidaria apenas dos vocais e um novo guitarra seria agregado ao grupo. Um jovem bastante talentoso chamado Christer Akerberg entra na banda em 1972 e a partir de sua entrada é que, de fato, o Trettioåriga Kriget começaria a criar seu próprio som. Olle Thörnvall também deixa a gaita de lado e passa a ser o responsável pelas letras das composições da banda. Essa formação se manteve de 1972 até 1981, período em que a banda construiu sua reputação.

Durante o fim de 1972 e todo o ano de 1973 a banda ensaiava com afinco e já criava um público cativo. No início de 1974, a banda é contratada pela filial sueca da CBS e em agosto, chegava ao mercado a estreia da banda, cuja capa foi desenhada pelo ex-baterista Johan Gullberg (que também seria o responsável pela arte gráfica dos demais lançamentos da banda). O disco teve recepção calorosa pelas revistas musicais do país e fez a banda rodar o país divulgando o álbum, sendo um pequeno fenômeno local. A estreia do grupo é icônica e absolutamente poderosa, na qual a banda desbrava um cenário de composições complexas e intricadas. O clima é denso e nebuloso em todo o álbum, com ataques violentos de baixo e guitarra e a interpretação dramática de Robert Zima.

O ano de 1975 foi o mais bem sucedido da história da banda, com dezenas de shows por toda a Suécia e apresentações também na Dinamarca. Na Suécia ainda, a banda abriu dois grandes concertos do Blue Oyster Cult, em Lund e Gotemburgo. No verão de 1975 a banda entra em estúdio para gravar o segundo álbum, que seria batizado de Krigssång. O álbum, apesar de finalizado naquele mesmo ano, só veio a luz no início do ano seguinte. Ainda mais refinado que o primeiro álbum, Krigssång fez o Trettioåriga Kriget cruzar novas fronteiras, incluindo um mini-tour no Reino Unido, arrancando elogios da conceituada revista musical Melody Maker. O segundo álbum é mais equilibrado, com a banda incorporando mais teclados e focando nas melodias, ainda que a ousadia instrumental do primeiro álbum se faça presente ao longo de todo o álbum. Krigssång se conecta mais com a vertente sinfônica do rock progressivo do que o primeiro álbum.

Após todo o burburinho que a banda provocou entre 1975 e 1976, o início de 1977 trazia para a banda a notícia da dispensa do grupo do cast da CBS, o que abalou o grupo justamente em um momento de ascenção. A saída foi buscar um selo local para apoiar a banda e isso aconteceu através da estampa Mitslur. No verão de 1978 a banda gravou seu terceiro álbum, batizado como Hej På Er. A banda passou a acompanhar as tendências da época e simplificou seu som. A experiência foi bem sucedida, já que o capricho instrumental do grupo permanecia intacto, ainda que inserida na engrenagem de canções mais convencionais. O disco tem composições que realmente funcionavam junto a um público mais amplo, o que fez de Hej På Er o trabalho mais bem sucedido, em termos comerciais, do Trettioåriga Kriget. Um novo giro pelo país aconteceu, mas a banda não conseguiu alçar um novo vôo para fora da Suécia.

No ano seguinte um novo disco saía do forno, Mot Alla Odds, com a banda aprofundando a fórmula pop, mas dessa vez se rendendo ao simplismo barato da new-wave, abandonando de vez a sonoridade orgânica e valvulada de seus discos anteriores. Nem público nem crítica gostaram do trabalho e o vocalista Robert Zima abandona o barco. Stefan Fredin assume os vocais e a banda continua com um bom nível de atividades até o ano seguinte, quando iniciam a gravação do quinto álbum, no qual a banda rebatiza-se para apenas Kriget (nome que também batiza o álbum). Alinhado ao som jovem da época, o disco recebeu críticas positivas e execução considerável em rádios suecas, mas o gás da moçada da banda havia acabado e o Trettioåriga Kriget encerra suas atividades em 1981.

Reuniões esporádicas dos remanescentes da banda começaram a surgir em 1992. Contudo, uma reunião pra valer mesmo aconteceu em 2002, quando o grupo começou a compor e gravar um novo álbum, lançado em 2004 com o nome de Elden av år, que teve recepção calorosa entre os antigos fãs da banda. O grupo foi convidado para tocar em diversos festivais ao redor do mundo na ocasião, contabilizando inclusive uma breve passagem pelo Brasil em 2007, quando já estavam lançando seu oitavo álbum de estúdio, I Början Och Slutet. E em 2011, mais um álbum, Efter Efter, que encerrava mais um produtivo período do grupo com um nível de qualidade bastante consistente. Depois em 2016, o Trettioåriga Kriget pela primeira vez lançava um disco inteiramente em inglês, o bom Seaside Air e ainda hoje a banda está na ativa.

Na alvorada deste ano de 2019, a banda tira dos arquivos o primeiro volume de uma série gravações feitas por uma rádio sueca, que captou a banda em seus primeiros anos. O álbum está disponível apenas no formato digital nas plataformas de streaming e traz a banda no clímax de seu potencial criativo. Sem dúvida, um deleite para os fãs.

Um comentário em “Tralhas do Porão: Trettioariga Kriget

  1. Muito bom. Quase inacreditavel é o fato de uma banda tão obscura ter tocado aqui no Rio de Janeiro em uma das ultimas edições do Rio Art Rock Festival, promovido pelo Leonardo Nahoum.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.