Dos porões da alma: um relato sobre o Type O Negative – Parte 2

Dos porões da alma: um relato sobre o Type O Negative – Parte 2

Por Marcella Matos

A primeira parte pode ser conferida aqui.

Se o disco predecessor já expunha uma banda madura, October Rust (1996) dá  mais uma mostra da grandiosidade criativa e sonora da banda, mostrando os músicos um passo à frente de muitas bandas análogas ao seu estilo: Os arranjos instrumentais (muito bem realizado pelo piano/teclado de Josh Silver)  juntamente com letras mais elaboradas e guitarras distorcidas se encaixam muito bem ao timbre ‘mais’ grave adotado por Peter.

Ao longo das canções se faz latente uma atmosfera mais intimista: Passagens mais lentas, trechos acústicos, vocais mais limpos, sons ambiente (como o canto dos pássaros, ouvível em Green Man). Destaque para Wolf Moon, que desde os primeiros acordes já demonstra (com uma belíssima introdução de teclado) a sutileza de detalhes que fazem o  Type O Negative soar de um modo tão singular.

Tragédias pessoais marcariam a vida de Peter Steele durante o período de gravação de World Coming Down (1999), quinto disco da banda. O pai do vocalista faleceu, fatalidade que explica esse tom melancólico, quase fúnebre, presente em todo o disco; são as melodias (mais direcionada ao Doom Metal) juntamente com as letras (que retratam perdas, desemparo e morte) que proporcionam tal sensação de luto. Faixas como “Everything Dies“, “Pyretta Blaze“,”Every One I Love Is Dead” e “All Hallow´s Eve” são muito bem recebidas pelos fãs.

Life Is Killing Me (2003) é a convergência, diga-se de passagem, do passado e presente do Type O Negative. Digo isso pois há traços nesse disco que remete à momentos anteriores da banda (humor ácido, canções mais curtas, letras autodepreciativas, guitarras acentuadas…) mas claro que a essência ainda está presente: Bons arranjos de teclado,  bateria  mais cadenciada, elementos góticos, linhas vocais mais graves… Contudo, ainda há resquícios daquela aura depressiva de World Coming Down (1999), como nas faixas “Nettie” e  “Todd’s Ship Gods (Above All Things)“. Há inusitadas surpresas no sétimo lançamento do grupo, como na canção “Less than Zero“, em que uma cítara marca presença, instrumento com sonoridade excêntrica (bem marcante) e nunca utilizada por eles; “I Don´t Wanna Be Me”, música que abre o disco (após a faixa instrumental “Thir13teen” – cover de uma série norte-americana), demonstra uma sonoridade voltada para o Punk Rock.  Enfim, é um disco mais diversificado se comparado com os lançamentos antigos.

Steele passava por um momento bastante conturbado… Sua saúde mental não estava em ótimo estado, devido o abuso constante de álcool e drogas ao longo dos anos;  desenvolveu depressão e a síndrome da paranoia, que o levou a uma clínica de reabilitação.

Dead Again (2007) revela um Peter mais reflexivo; retrato dos problemas que enfrentava que o fez se reaproximar da religião e avaliar suas atitudes e ponto de vista perante a existencialidade e finitude humana…  No último disco da banda, a morte é ponto de reflexão e imersão para questionamentos. Esta atmosfera pesada, trilhada através dos becos e vielas escuras de uma mente perturbada, foi possível graças à produção não convencional de Josh Silver e Peter Steele. Podemos considerá-lo como uma síntese e/ou apanhado de todo o ‘conjunto da obra’, ou seja, um disco que remete a toda discografia já lançada pelo grupo; há em Dead Again canções mais longas, frequentes mudanças no compasso (ora mais cadenciado, ora mais veloz) e arranjos próximos ao Doom Metal (como na “Tripping a Blind Man” que aponta para a influência do Black Sabbath). Faixas como “September Sun“, “The Profits of Doom” e “Halloween In Heaven“, esta última com um toque Punk, conta com a participação de Tara Vanflower (vocalista do Lycia); Dead Again dá mostra de quanta potência (sonora e criativa) a banda ainda dispunha em estúdio.

A banda, que assinara contrato com a gravadora Napalm Records em 2009, planejava um lançamento em breve; sóbrio e compondo para o que seria o próximo álbum da banda, Peter Steele sofreu uma parada cardíaca em 2010, vindo a falecer alguns dias depois de internado, aos 48 anos de idade. A morte repentina de Peter foi recebida com muito pesar por amigos e fãs:

“Como um fã há mais de 20 anos, a notícia da morte de Peter Steele foi muito difícil pra mim […] ‘Pete’ significou muito para mim, e ele significava muito para o Brooklyn. Eu diria que ele era sem dúvida a pessoa mais bem sucedida do Brooklin da cena hardcore/metal e um verdadeiro ‘Brooklyn Bastard’, se já houve um”. Desabafa o amigo Mike Scondotto (Inhuman).

Numa entrevista dada em 2011, o baterista Johnny Kelly lamentou a morte do amigo e companheiro de banda:

“[…] Estou convencido de que ele cavalga com a gente ainda, onde quer que estejamos ele estará conosco. Sua partida foi muito infeliz. Ele era jovem. Tinha apenas 48 anos. Ele não estava mais usando drogas, não estava bebendo mais e várias outras coisas. Peter estava muito ansioso para começar a trabalhar em um novo registro com o Type O Negative. Estávamos nos preparando para fazer isso”.

Com Doro Pesch (Warlock)

Em um comunicado emocionado dirigido aos amigos e fãs, a família de Peter agradeceu o apoio e as mensagens de carinho recebidos Através das seguintes palavras exprimiram seu amor pelo irmão:

“[…] Por favor, lembrem-se dessas coisas maravilhosas sobre o Peter: Sua genialidade na composição de música e letras, seu talento para a orquestração, seu desenho artístico para capas de álbuns, suas performances e logomarcas inventivas; seus hábitos magnéticos com a plateia e fãs; seu talento com as palavras e idiomas; seu desejo insaciável de estudar ciência, engenharia e estratégia de guerra; seu amor pelas crianças e pelos animais; seu jeito de fazer todos se sentirem mais importantes do que ele; e sua generosidade e modos cavalheiros […]

Termino expressando meu apreço pela banda, e recordo que Peter Stelle será sempre lembrado com muito carinho, seja por seu sarcástico senso de humor, sua maneira espirituosa (fora e dentro dos palcos) e sua inclinação em transformar dores, medos, incertezas e morte em relatos atípicos e singulares, pondo sempre um toque crítico de quem avalia a vida (e os sentimentos) sem floreios e firulas. Som familiar e vocal  inconfundível de Peter Steele, Type O Negative deixa uma legado musical idiossincrático. Sua música viverá para sempre!

Peter com pais, sobrinhos, irmãos e irmãs

2 comentários sobre “Dos porões da alma: um relato sobre o Type O Negative – Parte 2

  1. Curioso como eu sempre me esqueço que o Type O Negative é uma banda americana. A sonoridade deles lembra muito o gothic/doom europeu.

    Lembro bem do período do anúncio de sua morte repentina e o quanto tanta gente lamentava. Na época eu não imaginava que havia tantos fãs da banda no Brasil. Muito do que conheci deles foi justamente após sua morte que acabei procurando mais dos seus discos. Uma pena. Era uma banda para estar tocando até os dias de hoje.

  2. O melhor disco dos caras na minha opinião está nessa segunda parte, October Rust, álbum soturno, melódico, atmosférico. Soa como se tivesse sido gravado em algum castelo gótico da idade média. Já o seguinte, World Comes Down, considero uma obra prima extremamente subestimada, porém muito denso e depressivo. Os seguintes mantém o nível de qualidade dessa excelente e peculiar banda.

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