Melhores de 2016: Por Ronaldo Rodrigues

Melhores de 2016: Por Ronaldo Rodrigues

Por Ronaldo Rodrigues

É a primeira vez que participo das tradicionais listas de melhores do ano da Consultoria do Rock. E ter me disposto a tal foi uma tarefa instigante, que me motivou a acompanhar lançamentos, ler sites e revistas que não acompanhava, buscar referências diferentes das que normalmente utilizo. Não digo que foi de fato uma busca representativa, porque coloquei algumas premissas – não me dispus a ouvir novos lançamentos de artistas já consagrados (David Bowie, Jon Anderson, Radiohead, Megadeath, Metallica, etc.) nem de estilos muito distintos do que já consta em meu cardápio (alguns leitores podem até achar que não, pelas minhas pautas aqui, mas me considero já bem eclético). Não acompanhei quase nada de heavy metal e gêneros relacionados, nem tampouco da música estritamente pop. Mas ouvi bastante coisa e, de forma bastante otimista, muita coisa boa de nomes novos e pouco conhecidos do grande público. Na lista só cabiam 10, mas teve mais coisa legal do que isso em 2016.


1. Motorpsycho – Here be Monsters

Me surpreendi bastante com o Motorpsycho. Em 2012, havia ouvido algo de seu disco The Death Defying Unicorn que me manteve interessado. Mas na ocasião, eu ainda não ligava muito para lançamentos e continuava numa exclusiva viagem ao passado. Ao me inteirar dos lançamentos de 2016, relembrei do nome dessa turma. E além de ser capturado pela força de cada nota de Here be Monsters fiquei surpreso em saber que a banda foi formada na Noruega do início dos anos 1990. Ou seja: já são veteranos. “Lacuna Sunrise” foi, de longe, a música que mais me emocionou em 2016. Sua melodia cândida catapultou minha mente ao espaço sideral; suas lindas texturas, seu ritmo leve e as maravilhosas frases de guitarra e teclados me viraram do avesso. A banda tem sabedoria e ousadia suficiente para cunhar composições com um encadeamento perfeito, com um formidável trabalho de bateria e baixo, timbres incrivelmente esculpidos e um resultado sonoro soberbo. Esses predicados são ouvidos indistintamente em cada uma das 7 faixas deste disco.


2. Mondo Drag – The Occultation of the Light

Para minha felicidade, bandas que tem transitado na esfera do rock progressivo na última década tem conseguido sair do velho esquemão de influências nas quais sempre orbitam e agregar mais elementos sonoros a seus quadros. Instintivamente ou não, isso é o quem tem feito elas soarem tão poderosas quanto as bandas clássicas do estilo em sua fase pré-1973, sem imitá-las, já que o estilo é essencialmente eclético e repleto de possibilidades. Em The Occultation of the Light, comparar o Mondo Drag com alguma banda em específico seria um desaforo a seu som, mas ao ouvi-los, minha mente se conecta a coisas bastante díspares do rock clássico setentista – Black Widow, Nucleus, Van der Graaf Generator, Osanna, Pink Floyd e Lucifer’s Friend. E ainda sim, ouvir o Mondo Drag é tão prazeroso quanto ouvir esses grandes nomes que os precederam. Os teclados repletos de psicodelia dominam, mas banda toda é pródiga nos arranjos e há boas linhas vocais em todas as faixas.


3. Blood Ceremony – Lord of Misrule

Apesar de ser uma referência cada vez mais distante, o rock do fim dos anos 60 e início dos anos 70 vem sendo constantemente atualizado pelos músicos contemporâneos. E impressiona o quanto certas bandas estão se especializando em obter aquela mesma sonoridade crua, mas cheia de riqueza e espontaneidade. Blood Ceremony dá essa cartada do primeiro ao último acorde de seu álbum Lord of Misrule. O toque mais contemporâneo fica por conta dos vocais femininos e das guitarras venenosas. A presença de flautas nas músicas (algo que andou bem esquecido no rock por décadas) e interessantes passagens acústicas também são muito bem vindas e dão um tempero incrível para tornar esse trabalho mais cativante do que muitos outros. Não se trata apenas de beleza; é uma beleza bem trajada.


4. DeWolff – Roux-Ga-Roux

A banda reza a mesma cartilha que os Black Crowes – um rock básico muito bem temperado com soul music. Mas nada que ouvi dos corvos negros chegou perto de ser tão eficaz quanto o som do DeWolff. Os vocais são pura malandragem, Hammond em profusão e guitarras calibradíssimas em timbre e performance. Um disco delicioso de se ouvir, com pura brisa vintage. “Love Dimension” emula a poderosa versão de “Going Down” de Freddie King e tem um animalesco solo de Hammond. Até solo de bateria (na curta faixa que fecha o disco, “Toux-Da-Loux”) funciona bem por aqui.


5. Hurtmold & Paulo Santos – Curado

Conhecia pouco da carreira pregressa do Hurtmold e recordo-me de um clipe deles que vi na MTV, por volta de 2010-2011, de um som bem jazzístico. O clipe não continha nenhuma pirueta visual. Mostrava a banda tocando em um estúdio e apenas as nuances do manuseio dos instrumentos musicais. Essa falta de apelo visual (permitindo que a música falasse) me atraiu bastante quanto ao nome do grupo. Porém o restante do material do grupo me soou pouco imaginativo, assim como boa parte do que se rotula como post-rock (e que me causa um grande incômodo, particularmente). Mas neste disco, o Hurtmold se mostra como um inventivo grupo de música brasileira, com uma pegada rock, convidando um bastião de criatividade para participar da empreitada – Paulo Santos, percussionista do finado Uakti. Não se está diante de um conjunto virtuoso como o Grupo Um, mas suficientemente ousado e pretensioso para um trabalho arriscado como Curado. Nessa acrobacia sonora, de sons tortos e texturas inconvenientes, foi a melhor coisa produzida no Brasil (dentre bastante coisa boa e interessante lançada) que escutei.


6. Blues Pills – Lady in Gold

Segundo trabalho do grupo que causou rebuliço no rock do último biênio, seja pela boa performance e riffs cativantes quanto pela presença vocal de Elin Larsson. A banda não se intimidou pela pressão da própria repercussão e mudou um pouco o leme de seu som, adotando uma postura quase que totalmente voltada a voz de sua vocalista. Não há quase nenhuma passagem puramente instrumental, não há solos de guitarra ou qualquer outro instrumento; apenas bases sólidas para os vôos agudos de Larsson e suas backing vocals. É interessante por resgatar a combinação de uma abordagem soul com o peso do hard rock e o resultado, em um absoluto, é bom, ainda que o trabalho anterior soe mais circunstancial.


7. Causa Sui – Return to Sky

Essa banda dinamarquesa já tem uma boa estrada trilhada (este é seu décimo disco de estúdio) e executa uma certeira mistura de psicodelia e improvisação por sobre bases hipnóticas, frequentemente repletas de groove. Ainda que estejam envoltos sob a aura do stoner rock por conta das afinações graves e de guitarras extremamente pesadas, seu som é fluido e costurado especialmente para não soar enfadonho. Neste disco, entre batidas tribais e algumas puxadas latinas, há teclados, belos efeitos de guitarra (o trecho final da faixa “The Source” é das coisas mais belas que ouvi esse ano) e muita inteligência do grupo conduzindo a variação entre diferentes climas. As faixas são longas, mas prendem o ouvinte, mantendo sua cuca quente o tempo todo.


8. Steven Wilson – 4 ½

Um dos mais proeminentes nomes (ele próprio não se considera músico) da geração contemporânea do rock progressivo, Steven Wilson tem uma regularidade incrível em lançar material novo, seja como artista solo, em parceria, com banda, em participações especiais. Não sei se 4 ½ faz referência ao filme inacabado de Frederico Fellini (8 ½), mas de forma alguma o disco soa como tal. E tudo o que se espera de um bom disco de rock progressivo há aqui – uma instrumentação democrática com todos os instrumentos tendo o devido destaque, belíssimas passagens instrumentais e um dinamismo sem igual a qualquer outra vertente do rock.


9. Snowy Dunes – Atlantis Part I

Há uma tonelada de bandas adotando uma linha de som bem soturna, profundamente pesada e bastante arrastada. Contudo, os suecos nas últimas duas décadas tem sido proeminentes em obter os melhores resultados nesse (e em vários outros) territórios. O Snowy Dunes não tem quase nada de originalidade, mas esse EP contém uma suíte que é um capricho em todos os sentidos – composição, interpretação (os vocais lembram Edgar Broughton), sonoridade (as guitarras voam pelas caixas de som). Soam extremamente eficientes.


10. NxWorries – Yes Lawd!

Quem me conhece pessoalmente ou acompanha meus escritos, vê que raramente eu saio de alguns territórios. Por acaso, fui capturado por um disco bem distante de meus lugares-comuns. Vi a descrição de “neo-soul” em uma lista que indicava bons lançamentos de 2016 e não sabia bem o que pensar até conferir este trabalho da dupla NxWorries, que sim, está umbilicalmente ligada ao rap. Há várias ressalvas porém – Anderson .Paak é essencialmente um (bom) vocalista e não um mero locutor de rimas, com suas irritantes gesticulações. Junto dele, um cara batuta nas pick-ups, chamado Knxwledge, que é detentor do maior mérito deste registro – conseguiu capturar belas bases de soul-funk setentistas e oitentistas, adicionar vocalizações arrepiantes e fazer tantas mixagens e colagens que as vezes parece que estamos escutando 2 ou 3 músicas na mesma canção. O resultado alia o que de melhor se pode aproveitar do rap, com uma boa e consistente base musical por trás.


Menções: O Violeta de Outono lançou um álbum novo em 2016, chamado Spaces. Não tão memorável quanto o antecessor Espectro (2012), mas a faixa de abertura (“Imagens”) e a de encerramento (“Cidade Extinta”) são duas embasbacantes suítes progressivas, com um nível altíssimo de execução, que não poderia deixar de mencionar. Ainda no Brasil, destaco dois acontecimentos relevantes – a produtora Abraxas se lançando como selo e tendo em seu cast bandas que tem feito um grande som, como Augustine Azul (que lançou o bom Lombramorfose), Necro (com o recém lançado Adiante, já pelo selo Abraxas), Blind Horse (que está produzindo um novo lançamento no momento), Quarto Astral (com o álbum Fenda-Universo), Hammerhead Blues, Fuzzly, Muddy Brothers, entre várias outras, e a criação da Cena Carioca de Música Progressiva, um coletivo de bandas que está retomando a tradição do Rio de Janeiro no estilo progressivo, com novas bandas, shows coletivos e lançamentos para oxigenar o estilo. Além disso, a qualidade das produções nacionais tem se equiparado cada vez mais ao que se tem feito de melhor nesse quesito em outros países. Criei uma expectativa com relação ao novo disco do Opeth (Sorceress), mas ele não foi tão bom quanto o anterior (Pale Communion). Em termos de decepção, o pior foi a notícia do desmanche do Graveyard.

2016 foi um ano de muito luto na música, mas é bom se conformar e não chorar pitanga. As grandes referências das décadas 60, 70 e 80 já estão ficando bem velhinhas e esse é o ciclo natural das coisas. Espero que essa virada de página seja importante impulso para fomentar uma nova geração de músicos, que consiga ocupar os corações e as mentes do público daqui por diante.

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5 comentários sobre “Melhores de 2016: Por Ronaldo Rodrigues

  1. Dessa lista ouvi o Blue Pills – que não curti tanto quanto o primeiro – o Steven Wilson – que achei oh, uma bost@ – e por força do hábito, o Motorpsycho, que curti pacas. O resto, só serve para me atestar que teve MUITO lançamento interessante em 2016.

    Ronaldo, onde foste pesquisar essas pepitas? Quais sites estivesses cavucando para tal?

  2. Grande Ronaldo! O ano se inicia, pelo menos para mim, com uma excelente lista de sugestões sobre lançamentos que, muito provavelmente, poderão fazer parte da minha playlist ao longo dele. A matéria está muito bem escrita e as referências me instigaram a conhecer cada um dos discos mencionados nela. Parabéns!! Um ótimo 2017 para todos nós e para a música mundial de qualidade.

  3. Obrigado pelos comentários, pessoal!
    Mairon, vou te passar a relação inbox de sites onde tenho acompanhado notícias.
    Abraço!

  4. Belíssima lista! Acho que da turma aqui do Consultoria, Ronaldo, os meus gostos são basicamente os seus, é com as suas listas que penso: “Caramba, ouvi praticamente tudo daí e gostei tanto quanto ele!”. Muito obrigado por ter compartilhado.

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