Review Exclusivo: Hiromi, Rio de Janeiro, RJ, 25 de setembro

Review Exclusivo: Hiromi, Rio de Janeiro, RJ, 25 de setembro

Por Ronaldo Rodrigues

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Engraçada essa tal “era da informação” em que vivemos. O nome da pianista Hiromi Uehara era totalmente ignorado por mim até vê-la em uma despretensiosa postagem em rede social de um amigo meu. Ali, no meio de fotografias narcisistas, opiniões de boteco travestidas de análise sócio-política, muito tédio e pouco conteúdo, estava a música impactante de uma ganhadora de um Grammy, considerada pela crítica especializada um dos maiores nomes do piano na atualidade. Se a nossa geração tem o mérito de popularizar a internet, ela tem o desmérito de, nessa torrente de informação, colocar todo tipo de conteúdo como importante, fazendo com que tudo perca sua real importância.

Depois de ver seu concerto, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, tento humildemente fazer justiça com aquilo que meus ouvidos puderam captar da japonesa Hiromi. O concerto havia sido anunciado ainda em 2015, mas foi cancelado por motivos não revelados. O anúncio era “Hiromi: The Trio Project”. O tal “Trio Project” contava com ninguém menos do que Simon Philips na bateria e Anthony Jackson no baixo, dois músicos pra lá de consagrados. O som do trio é extremamente progressivo (no sentido estrito da palavra, na abordagem, não necessariamente uma referência a rock progressivo como estilo), um monólito de musicalidade; um turbilhão de melodias, harmonias e ritmos.

Em 2016, com meses de antecedência, um novo anúncio. Tranquilamente estava eu, com ingresso antecipadamente garantido, quando surge a notícia de que não seria mais o Trio Project, mas sim um concerto solo de Hiromi, em decorrência de problemas de saúde de Anthony Jackson. Fiquei um pouco triste ao saber que meu ingresso que valeria para ver três músicos geniais, agora valeria “apenas” para a genial Hiromi. Uma mesquinharia de pensamento, mas precisava ser franco com vocês sobre isso.

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Descontraindo antes do concerto e passando pra bater um papo com Tom Jobim

Pois bem, a genial Hiromi Uehara repete a trajetória de grandes prodígios do piano na história da música, ao ter se iniciado no instrumento na primeira infância, aos 6 anos. Sua instrutora ajudou-a a construir uma abordagem sensorial do instrumento, fazendo com que a garotinha buscasse imaginar cores e imagens ao interpretar as músicas. Em 1999, depois de ter impressionado muita gente no Japão, Hiromi mudou-se para os EUA, onde foi descoberta e apoiada pelo pianista Ahmad Jamal, enquanto estudava em Berklee. Daí em diante, sua carreira ascendeu intensamente. Gravou 4 discos, tocou com Chick Corea e Stanley Clarke, e desta parceria ganhou um Grammy em 2011, e formou seu trio com os já anteriormente citados. E o mundo virou palco para Hiromi, que excursionou por todos os continentes, encantando plateias com sua incrível performance.

Eis que naquele domingo, 25 de setembro, um manobrista que se propunha a me guardar o carro conversava com outro motorista, de saída, que dizia não haver mais ingressos disponíveis. Ao passar de carro em frente ao teatro havia visto realmente uma grande concentração de pessoas. E lá dentro foi a confirmação de um teatro realmente lotado, com todo o tipo de gente. Senhoras finas e recatadas, hipsters e moderninhos, velhos ripongos, músicos, etc. Todos ali aguardando o baque de presenciar, pela primeira vez no Brasil, a pianista Hiromi Uehara.

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Hiromi no palco do Theatro Municipal do Rio

Com pinta de garotinha colegial e um visual nada ortodoxo para uma concertista, Hiromi entrava no palco como uma tímida garota. Sem pronunciar nenhuma palavra, sentou-se ao piano e começou a destrinchar toda sua virtuose. Depois de tocar por quase 10 embasbacantes minutos, acolheu os calorosos aplausos, se apresentou com uma tentativa simpática de língua portuguesa e apresentou a música que tocou e a próxima que viria. Como o inglês dos japoneses é pouquíssimo inteligível (e o dela não é lá uma exceção) não foi possível compreender com exatidão o nome das músicas executadas. Mas isso, face ao espetáculo, tornava-se irrelevante. Hiromi levantava-se, seus braços mexiam-se freneticamente, suas mãos acariciavam o piano mesmo quando pareciam querer picotar suas teclas e, na maior parte do tempo, a experiência de sua música parecia soar como um conjunto de muitos instrumentos. Chegava um ponto em que não era mais possível perceber nenhum detalhe específico, pois o conjunto de sons e movimentos entorpecia os ouvidos, que apenas sentiam-se conduzir, sem saber exatamente pra onde.

O vigor de sua virtuose contrapunha-se com um proposital desleixo com a postura vista como “adequada” para uma apresentação de piano solo. Hiromi quebra paradigmas com suas combinações entre o mais profundo da tradição clássica do piano e o mais leviano da cultura pop contemporânea. Sua música tem substrato no jazz, mas também é fortemente erudita; junta elementos sinfônicos com outros tantos absolutamente easy listening; pode figurar como trilha ao mais introspectivo drama ou ao mais satírico cartoon. Com qualidades permitidas apenas aos gênios, essas inusitadas combinações soavam perfeitamente coesas e tudo que ela mostrava no palco parecia naturalmente fácil.

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Outra vista do palco

Infelizmente, registros de fotos e vídeos eram proibidos para a platéia e não, ainda não temos a dignidade de ter credenciais para essas ocasiões. Meu ingresso foi um passe para uma deslumbrante galáxia de notas musicais. E minha sugestão ao leitor interessado é que faça valer a farta disponibilidade de registros que existem da música de Hiromi Uehara. Faça um favor a si mesmo ao se dispor a tanta musicalidade.

(o setlist obtido refere a apresentação de Hiromi Uehara no Teatro Alfa em São Paulo e pode conter alguma diferença com relação ao apresentado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. As lembranças do editor apontam para a grande chance de ter sido o mesmo setlist. A produção do espetáculo não disponibilizou fotos oficiais do concerto até o momento).

  1. The Tom and Jerry Show
  2. BQE
  3. Sakura Sakura
  4. Old Castle, by the River, in the Middle of a Forest
  5. What Will Be, Will Be
  6. Viva! Vegas: Show City, Show Girl
  7. Viva! Vegas: Daytime in Las Vegas
  8. Viva! Vegas: The Gambler

 

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3 comentários sobre “Review Exclusivo: Hiromi, Rio de Janeiro, RJ, 25 de setembro

  1. Essa japa é um espetáculo. Não vi sua apresentação no Teatro Alfa, mas amigos que foram endoideceram. Muito boa a sua presença aqui na CR.

  2. Poxa, uma menina apadrinhada por nada mais nada menos que Ahmad Jamal, só pode ser de outro mundo. Não conheço muito da obra da Hiromi, mas do pouco que ouvi, ela está em um nível próximo ao de Keith Jarrett. A descrição do evento que o Ronaldo nos traz só elevou-me mais ainda essa semelhança, bem como meu respeito pela caneta afiada de Ronaldo. Parabéns meu caro, presencia-se um EVENTO!!

  3. Obrigado pelos comentários, pessoal!
    também acho que foi uma boa colocar a Hiromi aqui em nossas páginas. Sua musicalidade é incrível, e sua contemporaneidade não pode ser ignorada!
    Abraços,

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