Por Alisson Caetano
Transformar o que muitos consideram incômodo sonoro e ruído em música é uma tarefa deveras complicada. Fazer com que se compreenda as reais intenções de uma música encoberta por uma muralha de feedbacks, ruídos e efeitos é tarefa tão complicada quanto.
É difícil apontar quando o gênero noise rock tomou forma, muito menos quando surgiu, mas é fácil perceber que tem sido uma constante nos submundos da música underground e alternativa nos fins dos anos 80 e — principalmente — nos anos 90 em diante, quando literalmente fervilharam projetos que abraçaram com orgulho o rótulo de noise para si.
Como sempre, incontáveis discos ficaram fora da lista, mas como o intuito é citar apenas cinco, a matemática não me permitiu colocar 10 discos aqui. Por fim, vale repetir os mesmos dizeres que fiz em minha matéria sobre drone:
Os discos citados abaixo não são de audição fácil, portanto, se você:
- Não gosta de heavy metal;
- Não gosta de música experimental, ou;
- Acha que tudo o que vou citar abaixo nem é música de verdade, ou até;
- Está esperando Metal Machine Music.
Não se dê o trabalho de prosseguir com a leitura.
The Velvet Underground – White Light / White Heat [1968]
Goste você ou não das estranhas composições de Lou Reed a frente do Velvet Underground, há de dar o braço a torcer: surtiram influência igual — ou até maior — que os Beatles nas gerações seguintes, desde o punk, o rock avant-garde, a art-rock e, neste caso, na utilização do conceito noise no rock. A estética e sonoridade do disco é completamente atípica: ruidosa, com baixo e guitarra atravessando canais e vocais hora encobertos por toneladas de fuzz e efeitos de guitarra, hora jogados em um único canal e a volume máximo, causando um efeito realmente incômodo, mas chamativo. Está aí o espírito do estilo: incomodar, mas sempre com um propósito embutido. Talvez o principal propósito da música noise, além de causar desconforto, seja incitar o ouvinte a desvendar o que há além do caos. Ecos de rockabilly, blues, spoken word e poesias profundas sobre assuntos polêmicos, mas sempre de extrema qualidade, acabaram passando batidos por quem não teve paciência ou escopo suficiente para compreender o que estavam ouvindo. Para nossa sorte, uma geração inteira conseguiu sacar o que Lou Reed quis nos mostrar — além de barulho, claro. Seminal, e nada mais.
Lou Reed (vocal, guitarra, piano); John Cale (vocal, baixo); Sterling Morrison (vocal, guitarra, baixo); Maureen Tucker (percussão).
- White Light / White Heat
- The Gift
- Lady Godiva’s Operation
- Here She Comes Now
- I Hear Her Call My Name
- Sister Ray
Big Black – Songs About Fucking [1987]
Falar em noise rock sem ao menos citar a figura de Steve Albini seria cometer deslize semelhante ao escrever sobre rock progressivo sem falar de Pink Floyd. O Big Black na verdade é uma das várias bandas noise que Albini levou a cabo em sua carreira como músico e, mesmo com uma curtíssima carreira, viriam a ser apontados como enorme influência para futuras bandas que se consagrariam anos mais tarde. Responsável pelas vozes, guitarras e letras do grupo, Albini criou para o Big Black um som frenético e intenso, muito próximo do hardcore, tanto que Albini sempre viu o Big Black como uma banda punk. O clima industrial do disco — intensificado pelo uso de bateria eletrônica e ritmos marciais — mesclado à fúria natural do punk apenas ajudam a traçar um paralelo de semelhança com outras bandas mais conhecidas do grande público, especialmente o Ministry e o Nine Inch Nails. Em resumo, Sonds About Fucking é intenso — tal como o título sugere — e, apesar da dificultosa audição habitual do estilo, cativa rapidamente o ouvinte pelo vigor de suas canções.
Steve Albini (vocais, guitarra); Santiago Durango (guitarra); Dave Rilley (baixo)
- The Power of Independent Trucking
- The Model (cover do Kraftwerk)
- Bad Penny
- L Dopa
- Precious Thing
- Colombian Necktie
- Kitty Empire
- Ergot
- Kasimir S. Pulaski Day
- Fish Fry
- Pavement Saw
- Tiny, King of the Jews
- Bombastic Intro
- He’s a Whore (cover do Cheap Trick)
Sonic Youth – Dirty [1992]
Quando despontaram no cenário alternativo no ano de 1983 com Confusion is Sex, já chamaram a atenção pela proposta que mesclava o universo alternativo vigente com uma pegada descaradamente experimental. 9 anos e cinco discos depois, sendo três deles audição rockeira obrigatória — os seminais EVOL [1986], Daydream Nation [1988] e Goo [1990] — passamos a presenciar não apenas mais uma banda no meio de uma enxurrada, mas uma banda convicta do que estava fazendo — uma banda influente, em resumo –. Dirty chama a atenção pela evolução da forma como a guitarra é encarada em seu papel na criação de arranjos, bases e solos. Tudo é impressionantemente assimétrico, mas ao mesmo tempo cativante. Reza a lenda que inúmeros utensílios foram usados para produzir sons específicos na guitarra, como baquetas e ferramentas, algo que não é de se duvidar, pois o som obtido é realmente estupendo, mesmo sendo noise. Arranjos pop que mesclam-se a melodias sombrias e guitarras dissonantes dão o tom de um disco que pode parecer estranho à princípio, mas que cresce nas audições seguintes.
Thurston Moore (vocal, guitarra); Kim Gordon (baixo, vocal, guitarra); Lee Ranaldo (guitarra, vocal); Steve Shelley (bateria)
- 100%
- Swimsuit Issue
- Theresa’s Sound-World
- Drunken Butterfly
- Shoot
- Wish Fulfillment
- Sugar Kane
- Orange Rolls, Angel’s Spit
- Youth Against Fascism
- Nic Fit
- On the Strip
- Chapel Hill
- JC
- Purr
- Créme Brûlèe
Today is the Day – Willpower [1994]
Em se tratando de noise, o Today is the Day, norte-americanos da cidade do Tennessee, já se tornaram referências para toda e qualquer banda do estilo que viesse a surgir futuramente. O som é completamente raivoso, dissonante, provocativo e, o mais importante, imprevisível. O trabalho vocal de Steve Austin é estupendamente doentio, com vários gritos e vocais rasgados que, juntamente das guitarras agudas produzindo riffs curtos e explosivos, criam um verdadeiro caos sonoro imprevisível. O grande charme de Willpower é conseguir unir a dissonância e andamentos de math rock com trechos onde as melodias e influência de shoegaze — My Bloody Valentine, principalmente — dominam as músicas, passando de momentos de súbito peso e raiva para momentos esmagadoramente sentimentais. E isso faz todo o sentido do mundo no contexto que o disco se enquadra. Tematicamente, Willpower também não é acessível. Basicamente é um turbilhão lírico sobre desespero, depressão, suicídio e letras confessionais, tornando o panorama geral do disco ainda mais brutal.
Steve Austin (vocal, guitarra, samplers); Mike Herrell (baixo); Brad Elrod (bateria)
- Willpower
- My First Knife
- Nothing To Lose
- Golden Calf
- Sidewinder
- Many Happy Returns
- Simple Touch
- Promised Land
- Amazing Grace
Oxbow – The Narcotic Story [2007]
Diferente dos anteriores, The Narcotic Story não é um disco que abusa de distorções de guitarras, feedbacks e efeitos que procuram preencher todos os espaços da música. Utilizando sonoridades acústicas que mesclam-se a nuances produzidas por efeitos digitais e muitas vocalizações, é certamente um dos discos mais singulares a marcar presença aqui. As influências de blues e jazz são gritantes durante toda a audição, e a banda parece deixar claro que o disco é mais referencial do que uma complexa montagem de barulhos. Algo notável e onipresente nos pouco mais de 40 minutos de duração do disco é o clima esquizofrênico das faixas, sempre muito sombrias e com vocais e vocalizações — a cargo do performático Eugene Robinson — que mais se assemelham a um usuário de drogas agonizando em estágio de abstinência — o título do mesmo não é por acaso –. Um disco tortuoso de avant-garde sobre drogas que definitivamente não tem absolutamente nada de semelhante à apologia e felicidade dos discos psicodélicos dos anos 60.
Eugene Robinson (vocais); Niko Wenner (guitarra); Greg Davis (bateria, percussão); Dan Adams (baixo). Para line-up completo, consulte o All Music.
- Mr. Johnson
- The Geometry of Business
- Time, Gentlemen, Time
- Down a Stair Backward
- She’s a Find
- Frankly Frank
- A Winner Every Time
- Frank’s Frolic
- It’s the Givin, Not the Taking
Parabéns pela matéria Alisson, os discos selecionados são bem representativos do noise, além de reconhecer a importância de Lou Reed e Sonic Youth, que geralmente são solenemente ignorados ou esnobados por alguns consultores. Outra excelente lembrança foi a de Steve Albini, que, além de produtor, tem uma obra musical bastante interessante.
Obrigado Antonio. Lou Reed e Sonic Youth são bem incompreendidos mesmo, precisava fazer alguma coisa pra tentar corrigir isso kkk.
Cara, você não acha que faltou o Psychocandy nesta lista, não?
Não. kkk. É um puta disco importante também, mas são só cinco privilegiados, obviamente alguma coisa ia ficar fora. Privilegiei o Sonic Youth no lugar do Jesus and Mary Chain pra ilustrar o noise pro lado do alternativo. Pode reparar, cada um dos discos que eu citei não se enquadram objetivamente em um mesmo estilo (quis ser abrangente no fim das contas).
Entendo o seu ponto de vista, só não entendo porque do Sonic Youth você pegou justamente o disco que tem menos noise…
Digamos que o noise é um estilo difícil por natureza, indiquei o Dirty por ser mais “acessível”. Eu na verdade iria indicar o EVOL, mas fui por essa lógica mesmo.
Muito bom Alisson. Matéria super bem-vinda. Faça mais.
É curioso que o noise rock é um dos estilos que menos gosto do rock, mas sempre há uma coisinha ou outra que escapa. Por exemplo, não gosto do Velvet Underground (na realidade, qualquer trabalho que tenha a assinatura de Lou Reed nos créditos) e nem de Sonic Youth, mas Today is the Day eu já escutei e até gostei do disco Kiss the Pig, que eu ouvi há algum tempo e achei interessante. De curioso, botei para ouvir o Willpower aqui no youtube e ele me lembra de uma certa maneira o funeral doom metal que eu gosto de ouvir. Não pela velocidade, mas pelo fato de ambos os estilos darem uma sensação de agonia e desespero no ouvinte. O funeral doom metal daquela maneira lenta e pesada e o Today is the Day de maneira mais raivosa.
Gostei dessa banda, usa o noise de uma maneira bem melhor do que a maioria que já ouvi.
Alguns poderão reclamar da falta de Shellac, Jesus Lizard ou Boris, outros reclamaram da presença do Oxbow, mas eu achei que a lista ficou muito boa.
Belíssima matéria,Alisson!!Porém é um crime se esquecer de falar,pelo menos um pouquinho de um pouquinho de um pouco,do VERDADEIRO E ETERNAMENTE GENIOSO GÊNIO DO VELVET,o nome deste gênio é John Cale!!Ok,as letras de Lou são transcendentais a nível olimpiano,porém se hoje o VU é conhecido por ser um dos maiores grupos de rock vanguarda,e art rock,de todos os tempos é porque o gênio de Cale se fez presente!Indico ouvirem um dos melhores,senão o melhor,disco de 1974,o nome deste disco é ‘Fear’,Cale mostra neste disco o por quê de ser o porque!
A menção à obra prima White Light/White Heat já consagra cada um dos envolvidos em sua concepção no mesmo patamar de importância. Intensifiquei a menção ao Reed pelo impacto que sua obra surtiu nas gerações seguintes e muitos ainda se negarem a reconhecer isso. Mas concordo contigo, John Cale foi peça chave na formatação do som VU.
John Cale é um monstro sagrado, mas isso não diminui em nada a figura de Lou Reed. A química só existe quando se juntam dois elementos. O que Cale fez na carreira solo, e ajudando ou produzindo a carreira dos outros, ou o que Reed fez em sua carreira solo também, não servem de comparação para a capacidade que eles tinham de fazer coisas ainda mais incríveis juntos. A Coca Cola surgiu da união de noz de cola e folha de coca. Coca é uma coisa e cola é outra. Só que juntas representam nada menos que a Coca Cola.
Hehehe Gaspari sempre despejando genialidade,claro,exceto quanto critica sua banda favorita,o Supertramp.Concordo,Marco,pois realmente Cale e Reed juntos faziam coisas que até Deus ficava surpreso.Mas no mais é isso mesmo,como dizia um ser humano:”Waters e Gilmour juntos no PF era tão bom quanto sexo com amor – ou amor e sexo,depende da ocasião – em um entardecer ensolarado azulado.”
Eu quero lançar uma desafio para os Consultores da CR,na verdade é uma proposta,que exige “esforço”,disciplina e,principalmente,atenção.A proposta é a seguinte;Fazer uma Discografia Comentada da banda que EU considero melhor do que qualquer banda do planeta Terra,o nome desta banda,que começou no Surf Music,é The Beach Boys,banda inigualável e especial.Com todo respeito aos Beatlemaníacos,mas o TBB faz dos Beatles uma poeira perdida em uma vasta vastidão empoeirada..Bom,é isso,espero que algum Consultor esteja apto a fazer essa tarefa que é mais do que prazerosa.É prazerosíssima…
Bom, da minha parte, só a consideração que você tem pelos Beatles já me faz desconsiderar sua proposta, Erick.
Faço uso das palavras do Marco. E acrescento: quem não gosta de Beatles moço não é
Até que os irmãos Machado podiam fazer. Também não gostam de Beatles e acham genial o combo que toca as músicas do Brian Wilson.
No caso,’quem não gosta dos Beatles bom moço não é’…Mas eu discordo.Pois eu admiro BASTANTE os besouros de Liverpool e considero,sim!,a banda mais influente de todos os tempos,porém nem se os Deuses do Olimpo quisesse os Beatles seria a maior banda de todos os tempos,POR QUE?Porque existiu bandas como TBB,VdGG,Yes,The Kinks,Pink Floyd,Kraftwerk etc.Não me levem a mal,eu gosto de dá umas alfinetadas nos Beatles – e em outras bandas -,porém respeito a banda tanto quanto os meus artistas preferidos.E os Beach Boys não foram só o combo do genioso Brian Wilson,o TBB também teve um período em que Carl,Bruce,Dennis e Cia comandaram o TBB com firmeza,plenitude e beleza.Tudo bem,Gaspari e Alisson,respeito a decisão de vocês.E só para acrescentar,eu não sou um bom moço,sou um ótimo moço. :]
E que fique claro que eu gosto é de moça.
Já eu prefiro mulheres,pois são mais maduras e mais interessantes.Sem contar que é mais fácil elas,as mulheres,gostarem de Rock Progressivo! O/
Espero que meu comentário não seja encarado como ofensa, mas pra mim drone e noise é tudo a mesma coisa… Não consegui diferenciar uma coisa da outra…
Não é uma ofensa não, demanda certo tempo pra entender a sonoridade. Não raro, muitas bandas noise usam drone nas suas músicas, e vice versa.
Esse disco do Big Black é foda demais, tem uma música do Queens of the Stone Age chamada Feel Good Hit of the Summer que é um plágio/homenagem á Pavement Saw, e sempre achei esse disco algo mais Hardcore Punk.. Boa lista cara, seria um boa fazer uma “Parte 2” só pra quem quer se aprofundar mais e não apenas conhecer o gênero.
A intenção é fazer uma parte 2 futuramente mesmo Elkiaer, muito mais pela quantidade de discos bacanas que ficaram de fora. Mas é bem futuramente mesmo, tenho outras ideias na cabeça por enquanto. Mesmo assim valeu pelo comentário, cara!
Conheço quase nada… Só não entendi isso:
“Os discos citados abaixo não são de audição fácil, portanto, se você:
Não gosta de heavy metal;”
Que raios uma coisa tem a ver com a otra? rs
Às vezes é só uma questão de aumentar o volume. Para mim, por exemplo, se o som está baixo, a audição não é fácil.