Buddy Rich & Max Roach – Rich versus Roach [1959]

Buddy Rich & Max Roach – Rich versus Roach [1959]

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Por Mairon Machado

O ano era 1959. O lugar, os estúdios de gravação da Verve, localizados no coração de Nova York. Ali, muitas pessoas sentiram o chão tremer. Nada mais nada menos que dois gigantes monstruosos na arte de tocar bateria enfretavam-se em uma batalha cujas proporções causaram impacto em todo o mundo. Para auxiliá-los, cada um dos dois contou com o apoio de soberbas bandas de apoio. Estou falando do magnífico encontro entre Buddy Rich e Max Roach.

Antes desse duelo acontecer, Rich já havia feito outras batalhas com Louis Bellsom e também Gene Krupa. Nascido em 30 de setembro de 1917 em Nova York, Rich caracterizou-se por uma poderosa mão esquerda, com rufos impressionantes e levadas que mudaram a concepção de como tocar jazz. Além disso, seus divertidos improvisos e principalmente o seu carisma faziam com que até as crianças passassem a admirá-lo, chegando ao ponto de Rich duelar com estrelas como Animal dos Muppets e também Jerry Lewis. Os longos solos de Rich são achados raros nas obras para bateria, sempre inovando com batidas rápidas nos pratos ou até mesmo solando em seu banquinho. Rich passou por diversas big bands, como a de Tommy Dorsey e a de Benny Carter, e formou a sua própria, onde, além de seus solos, viu crescer o talento de um ás no saxofone, Steve Marcus.

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Buddy Rich e Max Roach

Max Roach já vinha de uma linha um pouco mais diferente. Nascido na Carolina do Norte em 10 de janeiro de 1924, foi morar em Nova York no mesmo bairro onde crescia o garoto Rich, o Brooklyn. Roach começou cedo a tocar em grandes apresentações, sendo a primeira delas na banda de Duke Ellington quando tinha apenas dezesseis anos. Dono de uma técnica incomensurável, onde alternava sequências de variações rápidas nos bumbos e caixa (similar ao que John Bonham faria nos anos setenta), Roach foi o responsável pelo chamado amadurecimento do jazz, tocando não só apenas pelo improviso mas também pela sabedoria e pela arte de compor na bateria, criando um novo estilo, o bepop. Com uma formação mais sólida, tocou ao lado de Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Thelonius Monk e Coleman Hawkins, além de ter feito parte de uma das principais formações do grupo de Miles Davis.

Na primavera de 1959, Rich estava com o seu quinteto tocando na famosa casa de jazz Birdland, em NY. Faziam parte do quinteto, além do próprio Rich, Phil Woods (saxofone), Willie Dennis (trombone), John Bunch (piano) e Phil Leshin (baixo). Roach, na mesma época, estava excursionando pelos Estados Unidos também com um quinteto, formado por ele, Stanley Turrentine (saxofone), Tommy Turrentine (trompete), Julian Priester (trombone) e Bobby Boswell (baixo). Porém, problemas particulares fizeram com que o mesmo voltasse para Nova York. A fama dos dois bateristas já era grande, e, através do jovem arranjador Gigi Gryce surge o convite para a gravação de um álbum com os dois. Gigi então ficou encarregado de elaborar os arranjos para os dois quintetos tocarem juntos, o que parecia ser um tanto difícil, já que também teria que encaixar espaços para os solos dos bateristas em meio a clássicos escolhidos a dedo dentro do repertório jazzístico.

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Max Roach

Mas não foi. Em dois dias Rich versus Roach estava terminado, com oito composições de excelente qualidade e muita técnica, além de ótima harmonia entre os dois quintetos. O disco abre com “Sing, Sing, Sing (With a Sing)”, de Louis Prima. O piano de Bunch, junto dos coros realizados pelas orquestras, abrem a canção com o tema principal. Seguem as sequências de solos de bateria, começando por Rich. O tema principal é retomado, abrindo espaço então para Roach mostrar seu virtuosismo, ao mesmo tempo que Boswell o acompanha fazendo escalas no baixo. O tema principal é retomado, encerrando a faixa com um rufo ensurdecedor dos dois bateristas ao mesmo tempo.

“The Casbah”, composta por Gryce, lembra os brazilian jazz das décadas de quarenta e cinquenta, como Os Velhinhos Transviados e Pascoal Meirelles Trio. Rich está nos pratos e Roach nos sticks, acompanhando o tema principal. A ótima levada dos dois quintetos acompanha os solos de trombone (Julian Priester) e sax (Stanley Turrentine). Seguem então os solos de bateria, começando por Roach, depois Rich, e alternando seis vezes, com direito a um ótimo duelo nos pratos e viradas de bumbo. O tema original é retomado a partir da nova sequência de coros feita pelas orquestras.

“Sleep”, de Earl Lebieg, é uma paulada literal. O ritmo alucinado da canção, tal qual uma locomotiva sem freios, toma conta das caixas de som. Roach está no triângulo e woodblocks, com Bunch executando o tema principal no piano. A orquestra então passa a executar o tema principal, dando sequências aos solos, sendo que dezesseis compassos dos solos são feitos por músicos de Rich (Woods e Dennis) acompanhados pelo mesmo e outros dezesseis por músicos de Roach (Stanley Turrentine e Nat Turrentine), acompanhados de Roach. O piano de Bunch também marca presença, acompanhando os solos dos bateristas.

O encerramento do lado A é sobrenatural. Após os dois dias de gravações os músicos (e até mesmo Gryce) acharam que já possuíam material suficiente para a gravação de um álbum. Porém, o pessoal de auxílio nos estúdios reclamou de não ter nenhum duelo somente entre os bateristas. Então foi sugerido isso aos dois que, óbvio, com a gana de tocar começaram um magnífica batalha, iniciando com Rich nos chimbals em oito compassos e seguido por Roach, nos pratos, também em oito compassos. O que se ouve é uma insana competição na tentativa de um superar o outro e vencer a tão falada “batalha de baterias”, durante incríveis vinte e quatro desafios, todos com oito compassos para cada um fazer o que bem entendesse. Neles, Rich extrapola na velocidade de rufos enquanto Roach mostra ao mundo o valor das viradas certeiras. O uso de pratos é animalesco, com Roach parecendo um rinoceronte em busca de sua presa e Rich batendo suas mãos como as asas de um beija-flor. Por fim, os chimbals abrem espaço para rufos ainda mais ensurdecedores de ambos, culminando a batalha ensurdecedoramente com violentas batidas nos pratos. Simplesmente fora do comum. O nome da faixa é “Figure Eights” e é uma referência de como juntar dois monstros em um mesmo lugar do espaço.

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Lado A do LP

Depois de recuperar o fôlego coloque a agulha no lado B e veja surgir “Yesterdays”, de Jereme Kern e Otto Harbach. Rich está no cincerro e Roach nos sticks, com Bunch fazendo o tema principal no primeiro coro, seguindo com Stanley Turrentine executando o tema no segundo coro. O clima fica pesado na sequência de duelos, começando com Roach enquanto Rich acompanha no cincerro e depois com Rich quebrando tudo e sendo acompanhado por Roach nos pratos. Os duelos são fortes, bem mais pesados que em “Figure Eights”, porém não tão rápidos. Após mais uma execução do tema principal, temos os solos de Woods e Dennis (acompanhados por Rich) e também Stanley Turrentine e Priester (acompanhados por Roach), encerrando com o tema principal.

As duas faixas seguintes são aulas de democracia. “Big Foot” é a famosa canção de Charlie Parker, aqui totalmente recriada. A faixa inicia com dois coros da orquestra principal executando o belo tema principal, acompanhados por Roach. Os integrantes de ambas as bandas solam acompanhados por Rich e Roach, começando por Bunch, seguido pelos solos de Stanley Turrentine, Woods, Priester, Dennis e Nat Turrentine. Os bateristas então interrompem os solos individuais e começam seus solos, com Rich primeiro. O tema inicial é retomado pelas orquestras, agora apenas com Rich no acompanhamento, encerrando essa “Monalisa” do repertório parkiano.

“Limehouse Blues”, de Philip Braham e Douglas Furber, começa somente ao piano de Bunch acompanhado por Roach em um tema super bebopiano, que era o que Roach realmente gostava de tocar. Novamente uma sequência longa de solos rápidos aparece, começando por Woods, Dennis, Nat Turrentine, Stanley Turrentine, Priester e Bunch, sempre acompanhados por Roach. Rich então aparece para executar os coros da introdução e acompanhar o solo de Bobby Boswell. Temos um pequeno solo de Rich e outro de Roach, antes de Rich fazer o coro final e Bunch encerrar a faixa com o tema de encerramento da canção dos três patetas.

Após o esqueleto estar totalmente quebrado de tanta pancada e técnica, “Toot, Toot, Tootsie, Goodbye”, de Gus Kahn, Ted Fio Rito, Robert A. King e Ernie Erdman ainda retira o que restou de nossos corpos. No início temos Rich no bumbo e Roach nos pratos acompanhando os coros iniciais e também o tema principal. Começa então a longa sequência de duelos entre Rich e Roach, o qual ficou mais nos improvisos de ambos, já que não estava previsto um duelo nesta faixa. O tema principal é retomado, encerrando o álbum com a quebradeira geral.

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Buddy Rich

No resultado final não houve um vencedor desta batalha, já que ambos foram soberbos em suas tarefas. A capa do álbum era bem interessante, com Rich e Roach entreolhando-se sobre as baterias como duas águias em busca de uma mesma presa. Além disso, o vinil possuía outra característica marcante: o ótimo estéreo. Isso fica comprovado na separação dos quintetos, já que você ouve perfeitamente o quinteto de Rich no canal esquerdo e o quinteto de Roach no canal direito. No Brasil, este álbum chegou em 1975 através da Mercury, com os relançamentos da série Jazz Masters.

Rich continuou sua carreira explorando cada vez mais a velocidade de seu braço esquerdo, vindo a falecer de ataque cardíaco devido a um tumor cerebral no dia 02 de abril de 1987. Recebeu uma devida homanegem em 1994 de um grande fã, o baterista do Rush, Neil Peart, através do tributo Burning for Buddy, onde, ao lado da orquestra de Rich, comandada por Steve Marcus, tocaram diversos bateristas, como Bill Bruford, Marvin “Smitty” Smith, Omar Hakim, Billy Cobham e o próprio Peart.

Max Roach também participou do tributo, interpretando duas canções. Nos anos sessenta atingiu seu auge como compositor, tendo lançado obras como We Insist! Max Roach´s Freedom Now Suite. Nos anos setenta Roach liderou a orquestra de percussão M’Boom. Faleceu no dia 16 de agosto de 2007 devido a problemas neurológicos.

Ambos os bateristas estão no top of the tops dos mais citados entre os melhores de todos os tempos, e esse LP consegue registrar o porque disso, exatamente no auge da carreira de ambos.

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Contra-capa do LP

Track list

1. Sing, Sing, Sing (With a Swing)

2. The Casbah

3. Sleep

4. Figure Eights

5. Yesterdays

6. Big Foot

7. Limehouse Blues

8. Toot Toot Tootsie Goodbye

17 comentários sobre “Buddy Rich & Max Roach – Rich versus Roach [1959]

  1. Esses discos são realmente muito bacanas. Tive esse aí, aquele outro que ele enfrentava o Gene Krupa (mas era um dos anos 60, pois parece que gravaram mais de um) e mais um bastante interessante chamado Rich À La Rakha, onde ele “enfrenta” ustad Alla Rakha, o tablarista do Ravy Shankar. O disco é lá do fim dos anos 60. Muito bom quando aparecem esses textos fora do contexto por aqui.

  2. Brilhante! Desses textos que a gente pode dizer: só aqui na Consultoria! Correndo já aqui atrás do disco!

    1. Asilo Pat Boone para Roqueiros da Melhor Idade, uma associaçao sem fins lucrativos gerenciada por mim e por Eudes Baima e que abriga roqueiros desprezados pelos metaleiros. O pessoal mais novo, tipo Mairon Machado (que ainda é petiz), acha
      que lá só tem putaria e velhas roqueiras gostosas (tipo Grace Slick aos setenta). Mas o único gostoso é o Eudes.

      1. A tia da cozinha tá gritando que hoje não irá rolar sopinha de caldo de fígado para nós. Culpa do Marco, que chamou só o Eudes de gostoso. A tia da cozinha tá quase um Serguei, mas ainda sabe passar uma brilhantina …

          1. Hehehe Marco,eu também queria perguntar se depois dá para você fazer uma resenha do experimentalíssimo “Zaireeka” do Flaming Lips,pois é um álbum altamente experimental e com qualidade mútua.Para ouvir este álbum precisa fazer o seguinte:”O álbum é dividido em 4 discos idênticos, com as mesmas faixas, porém com arranjos e orquestrações diferentes, que podem ser executados em até 4 CD players simultaneamente, de forma que o ouvinte pode escolher uma determinada combinação de discos: 2, 3 ou os 4 tocando ao mesmo tempo.” -fonte:wikipedia-

          2. Ouvi esse trabalho do Flaming Lips uma vez, Erick, na casa de um amigo meu. E ouvi os discos simultaneamente. Já faz alguns anos e não me lembro muito bem, mas deu uma trabalheira danada pro cara colocar todos os CDs para começar sincronizados. Ainda mais que ele é perfeccionista, então foi uma coisa desesperadora. Acredite se quiser, não foi apenas pegar 4 CDplayers e botar pra tocar. Tinham que começar simultaneamente e isso não aconteceu assim tão fácil. No fim das contas parece que não fiquei tão empolgado assim com o som, tanto que ele podia ter gravado o resultado para mim e eu nem fiz questão. Não conheço a banda muito bem pra me atrever a escrever a respeito, mas gosto dela, embora a promessa em seus trabalhos sempre me pareceu maior do que a dívida, hehe… Você sabe se estão disponíveis para baixar ou se tem no U2b?

          3. A Siricaia da Tia da Cozinha é bem melhor do que a que a Izabel fez na final do masterchef. Pior é saber que o chefinho tava torcendo pra ela (pronto, falei …)

  3. Bom,Marco,o Zaireeka,como outros discos do TFL,sempre estão disponíveis para baixar no tpb e no kickass,em relação a sites torrent.Também se baixa o Zaireeka em sites como o archive.org e no song365.co.No U2b tem não.

    1. Eu sou ignorante (sinônimo para velho preguiçoso) nessas coisas de torrent. Os meus amiguinhos consultores sempre me dão as coisas mastigadas para eu poupar a banguela. Então o Zaireeka, se não tem no youtube, vai continuar só na lembrança. Abraço.

          1. Mas tu disse que não ia fazer. Se ele leu meu cerebélo, não posso fazer nada

          2. E eu tenho um cerefeio, é isso? Preconceito é uma merda.

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