Discografias Comentadas: Ratos de Porão – Parte II

Discografias Comentadas: Ratos de Porão – Parte II

Por Bruno Marise

Com a saída de Spaghetti, o Ratos sai a procura de um novo baterista. Depois de alguns testes, o escolhido é o santista Boka, da banda Psychic Possessor. Muito mais técnico e agressivo que Spaghetti, o primeiro disco dele com o Ratos é o RDP Ao Vivo (1992), um dos melhores registros ao vivo da história do rock pesado. Boka acaba entrando em um período pesado para a banda, onde os antigos integrantes estão cada vez mais afundados nas drogas, com Jão e Jabá chegando a se viciar em crack, o que resultaria numa pausa das atividades e na saída de Jabá, membro original, cujo problema com os tóxicos estava atrapalhando os compromissos com a banda.

Just Another Crime In Massacreland [1993]

Depois de perder Jabá, Walter Bart (ex-Não Religião) ocupa o posto de baixista. O primeiro disco de estúdio com os dois novos membros sai em 1993. Se Anarkophobia (1991) já pendia bastante para o lado do metal, JACIM dava um passo além. A banda incorpora várias influências de metal alternativo e experimentalismos, o que desagradou bastante os fãs, a crítica e até o próprio grupo. Para piorar, a divulgação da gravadora Roadrunner foi praticamente nula. Apesar de ser um disco equivocado e não se destacar na excelente discografia do RDP, Just Another Crime… tem seus bons momentos. O trabalho de bateria é fenomenal, com Boka mostrando a que veio, mesmo tendo composto muito pouco. A produção de Alex Newport também é de se elogiar, talvez a melhor qualidade de som em um disco do Ratos até a época (1993). Os destaques ficam para “Diet Paranoia” (que ganhou clipe), o inusitado cover de Peter Frampton, “Breaking All The Rules“, e as devastadoras “Suposicollor“, “Vídeo Macumba” e “Quando Ci Vuole, Ci Vuole” (em italiano), sendo essas três as únicas não cantadas em inglês. Sendo esse o disco menos representativo do RDP, não é recomendável que se comece a conhecer a carreira da banda por ele.

Walter Bart (ex-Não Religião) gravou apenas um disco com o RDP

Feijoada Acidente? –  International e Feijoada Acidente? – Brasil [1995] 

Após a turnê de Just Another Crime… (1993), o recém chegado Walter Bart deixa o grupo alegando que estava cansado da rotina pesada e autodestrutiva do RDP. Com a banda em baixa depois da experiência mal-sucedida do último disco, o Ratos convoca o jovem baixista Rafael Pica-Pau e começa uma agenda frenética de shows, tocando em todo e qualquer lugar possível. Para reconquistar o público, decidem retomar as origens em um novo projeto: dois discos lançados de uma só vez contendo apenas covers de bandas clássicas do punk e hardcore, sendo uma versão nacional e outra internacional. O nome e a capa são uma paródia do álbum de covers do Guns ‘n’ Roses, The Spaghetti Incident? (1993). O resultado é excelente e agradou tanto a banda quanto aos fãs. Musicalmente não há nada de novo: É o RDP de sempre pagando um tributo às suas influências e gostos de um jeito que só o grupo sabe fazer: rápido, pesado, sujo e violento. Um trabalho que agrada qualquer fã de barulheira old school. Os pontos altos são “John Travolta” (AI-5), “Buracos Suburbanos” (Psykóze), “Papai Noel” (Garotos Podres), “O Dotadão Deve Morrer” (Cascavelletes) e “Nós Somos a Turma” (Hino da extinta cena punk paulistana) da versão nacional, e “Fuck Off And Die” (Chaotic Dischord), “Private Affair” (The Saints), “Police Story” (Black Flag), “Red Tape” (Circle Jerks), “Aloha, Steeve and Dano” (Radio Birdman) e “Servizio Militare” (Eu’s Arse) da versão internacional. Mesmo pra quem não simpatiza com o som do Ratos, mas aprecia um punk e hardcore, Feijoada Acidente? é mais do que recomendado.

Rafael Pica-Pau substituiu Walter e foi importante no “renascimento” do RDP nos anos 90

Carniceria Tropical [1997]



Após a ótima recepção que a volta às origens de Feijoada Acidente? trouxe, o Ratos de Porão decidiu continuar no mesmo caminho, mas adicionando um pouco mais de peso e agressividade à sua música. Carniceria Tropical saiu pela Paradoxx Music no Brasil e pelo Alternative Tentacles (selo de Jello Biafra ex-Dead Kennedys) no exterior. O oitavo disco do grupo é sem dúvida um dos mais extremos da banda, com a produção assinada por Billy Anderson, bastante conhecido no mundo da música pesada, tendo trabalhado com grupos como Cathedral, Orange Goblin e Neurosis. O som aqui é muito mais calcado no hardcore, com pouquíssimos elementos de metal. O vocal de Gordo é praticamente ininteligível em todas as músicas, tendo ele inclusive cantado algumas faixas com bolo pullman na boca. A experiência fica evidente na música de abertura do álbum, “Vá Se Virar” e em “Estilo de Vida Miserável“. O trabalho é bastante consistente, mas confesso que o considero um pouco repetitivo. Existem pontos altos, como a violentíssima “Crocodila“, “Atitude Zero” e “Arranca Toco“, além das outras já citadas, mas, no geral, Carniceria Tropical fica atrás dos grandes clássicos da fase Crossover do RDP. A boa divulgação pela Alternative Tentacles resultou em uma turnê gigante na Europa, com 180 shows. O membro mais recente da banda, Pica-Pau, não suportou o exaustivo circuito de shows e deixou o grupo após a turnê para se dedicar a carreira de tatuador. Mais uma vez sem baixista, o Ratos chamou Phú do DFC, que ficou temporariamente e acabou dando lugar a Fralda, ex-Blind Pigs.

Guerra Civil Canibal [2000] 


Após ser iniciado com uma excursão na Europa, Fralda entrou em estúdio com o RDP para gravar seu primeiro registro como baixista da banda. Lançado pelo selo Pecúlio Discos, do baterista Boka, Guerra Civil Canibal é um EP produzido por Marcelo Pompeu e Heros Trench do Korzus. O compacto contém  sete faixas, sendo dois covers: um do Sepultura (“Biotech Is Godzilla“) e outro do Half Japanese (“Fire to Burn“), banda suíça de hardcore. Musicalmente, o trabalho segue  a mesma linha do álbum anterior: hardcore puro no melhor estilo extremo do RDP. Os destaques ficam por conta de “Obesidade Mórbida Constitucional” (que trata do drama de Gordo, que quase morreu em decorrência de problemas causados pelo excesso de peso) e “Toma Trouxa“, obrigatória nos shows até hoje.
RDP em 2000, com Fralda (segundo da esquerda para a direita) no baixo, o quarto a assumir o instrumento em menos de 10 anos.
Sistemados Pelo Crucifa [2001]

Em comemoração aos seus 20 anos de carreira, o RDP lança uma regravação do primeiro disco, Crucificados Pelo Sistema (1984), com uma roupagem mais agressiva e uma produção infinitamente superior ao álbum original, tendo Billy Anderson assumindo a produção mais uma vez. O CD foi lançado no Brasil pela Pecúlio Discos, sendo vendido diretamente nas bancas de jornal, juntamente com uma revista contando a história da banda. É um registro bastante interessante, mostrando como o RDP poderia soar se tivesse gravado seu debut com aparelhagem e produção adequada. O resultado é excelente, e vale a pena prestar atenção em “F.M.I.” e “Agressão/Repressão” que ganharam uma levada mais lenta.
Onisciente Coletivo [2002]


O primeiro disco full lenght com Fralda no baixo não traz nada de novo, além do hardcore sujo dos trabalhos anteriores. Billy Anderson, que já havia gravado Just Another Crime… (1993), assume a produção mais uma vez . Os destaques são a faixa de abertura “Próximo Alvo” (relato de João Gordo sobre sua reação aos ataques do 11 de Setembro, e crítica a George W. Bush), “Problemão” e seu refrão grudento, “Rabia Social“, composta em espanhol juntamente com a esposa argentina de Gordo, e a faixa título. Apesar de não trazer nada de inovador, e não se equiparar aos clássicos da fase de ouro da banda, Onisciente Coletivo mantém o nível de qualidade do RDP, e  vale a audição.
Homem Inimigo Do Homem [2006]

Com alguns desentendimentos nos bastidores, Fralda acaba deixando o Ratos para se juntar ao Forgotten Boys (banda paulista de punk e rock n roll). Já é o quarto baixista que deixa a banda em menos de dez anos. O roadie Juninho, baixista do Discarga, substitui Fralda nos shows, e com o tempo acaba assumindo de vez o posto. Em 2006, depois de quatro anos sem gravar, é lançado pela Deck Disc o último disco completo de inéditas do RDP até então. Homem Inimigo do Homem é o melhor trabalho do Ratos desde Anarkophobia (1991). A sonoridade continua na pegada que a banda vem seguindo desde Carniceria Tropical (1997), mas as composições são bem mais inspiradas. O upgrade que o novo baixista trouxe ao som do grupo é inacreditável. O primeiro single a ser divulgado foi a excelente “Expresso da Escravidão“, que fala sobre a escravidão ainda vigente no Brasil. A segunda música a ser lançada foi “Covardia de Plantão“, cujo clipe foi censurado por conteúdo violento. A canção trata da violência gratuita, seja causada por torcedores fanáticos ou por skinheads. A bolacha transborda brutalidade em suas 12 faixas de pura destruição. Há vários momentos inspirados: “Pedofilia Santa“; “Testemunhas do Apocalipse“; “Otário Involuntário“; “H.I.D.H.” e “PM’s de Satã” são apenas alguns deles.
Em 2010, foi lançado um split CD ao lado da banda espanhola Looking For An Answer (intitulado apenas Ratos De Porão & Looking For An Answer), onde o RDP participa com seis faixas, sendo três inéditas (“Exército De Zumbis“, “Paradoxo De Soberba”, “O Martelo Dos Hereges“), duas regravações (“Guerrear” e “Políticos Em Nome Do Povo”) e um cover para “La Mantanza”, dos seus colegas de disco, os quais registraram sete músicas e um cover para “Paranóia Nuclear”, dos Ratos. Toda essa desgraceira não dura mais que dezoito minutos, e é bastante recomendável a quem curte um hardcore ou um crustcore, estilos em que as duas bandas são especialistas. Ainda fazem parte da discografia do Ratos o recomendadíssimo Ao Vivo no CBGB (2003), que registra a fúria do grupo sobre o palco do lendário clube de Nova Iorque, e a coletânea Só Crássicos (2000), uma bela porta de entrada ao som do grupo.

Ratos de Porão em 2011: 
Juninho, 
Boka , Gordo e 
Jão  

Em 2011, o Ratos de Porão comemorou 30 anos de carreira, e lançou alguns materiais obrigatórios na coleção dos fãs. Saíram dois DVD’s, um ao vivo (gravado no Disco Voador em 2006), e Guidable – A Verdadeira História do RDP, documentário contando toda a trajetória da banda. Foi gravado também um DVD no Hangar 110 com todas as formações da banda tocando, cada uma nas músicas de sua fase, e que deve ser lançado ainda esse ano. 

Assim encerramos a Discografia Comentada de uma das bandas mais importantes do cenário musical latino americano e, por que não dizer, mundial. Uma instituição do som pesado, e que com trinta anos de carreira continua destruidora ao vivo, e conquistando fãs da nova geração. Vida longa ao Ratos de Porão!

2 comentários sobre “Discografias Comentadas: Ratos de Porão – Parte II

  1. O Onisciente Coletivo é um dos melhores discos do Ratos, se duvidar o último grande disco que eles gravaram na década de 2000. O H.I.D.H é regular e o álbum mais recente o “Século Sinistro” deixou a desejar, pelo menos na minha opinião. E também acho que o Onisciente Coletivo é um dos álbuns mais injustiçados da banda. E a produção do mestre Alex Newport deixaram as músicas impecáveis.

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