Tony MacAlpine – Maximum Security [1987]

Tony MacAlpine – Maximum Security [1987]

Por Diogo Bizotto

Não existem dúvidas de que o rock nada seria sem a prévia existência da música criada pelos negros que, forçadamente, aportaram nos Estados Unidos para ser a força motriz da crescente economia que acabaria se tornando a mais importante da atualidade. Também é muito difícil encontrar algum guitarrista que, hoje em dia tocando rock, não tenha sido influenciado direta ou indiretamente pelos guitarristas (e violonistas) negros, em especial de blues, egressos do mesmo país. Nomes como Eric Clapton, Jimmy Page, Peter Green e Paul Kossoff – todos brancos ingleses – não me deixam negar a importância vital que os blueseiros negros norte-americanos tiveram não apenas no rock, mas na música popular dos mais diversos recônditos do planeta.Mas será que o oposto também existe? Guitarristas negros sendo fortemente influenciados por músicos brancos, de origem europeia? Pode ser algo muito mais difícil de se encontrar, mas, se existe alguém capaz de responder esse questionamento com sua música, essa pessoa é o norte-americano Tony MacAlpine.

Exímio guitarrista e pianista, Tony pertence à primeira geração de shredders surgida em meados dos anos 80 após o repentino sucesso do debut do sueco Yngwie Malmsteen, Rising Force (1984), que, tomando emprestadas influências de guitarristas como Ritchie Blackmore, Uli Jon Roth e Jimi Hendrix, moldou uma sonoridade que levou a técnica a extremos, além de um forte acento erudito, que rendeu ao seu trabalho a alcunha de “heavy metal neoclássico”.A resposta norte-americana a Yngwie Malmsteen não tardou, e se mostrou especialmente na forma de dois magníficos álbuns instrumentais: Edge of Insanity (1986), primeiro álbum de Tony MacAlpine, no qual, além de tocar guitarra e teclados, foi acompanhado de Billy Sheehan (baixo) e Steve Smith (bateria); e Mind’s Eye, debut solo do guitarrista Vinnie Moore, no qual Tony é responsável pelos teclados. Os dois, lançados pela gravadora Shrapnel Records, que havia introduzido Yngwie Malmsteen nos EUA através de seu proprietário, Mike Varney, cimentaram de vez a fama da gravadora em descobrir e lançar grandes guitarristas, como Paul Gilbert, Marty Friedman, Jason Becker, Richie Kotzen, Joey Tafolla e Greg Howe.Se em Edge of Insanity MacAlpine já havia dado mostras de que, apesar de seguir a linha eruditamente influenciada de Yngwie Malmsteen, tendo como maior referência o compositor e pianista polonês Frédéric Chopin, havia desenvolvido um estilo próprio, não soando de maneira alguma como uma cópia do sueco, foi em Maximum Security que Tony elevou ainda mais sua fama no meio guitarrístico, sua capacidade como compositor e sua habilidade nas seis cordas e nas teclas. Lançado dessa vez por uma subsidiária da gravadora Polygram, e não pela Shrapnel, que tinha um alcance mais restrito, Maximum Security conseguiu galgar a 146ª posição na parada de álbuns da Billboard, feito admirável para um disco totalmente instrumental direcionado à guitarra.

Tony MacAlpine na contracapa de Maximum Security.

Dessa vez também assumindo o baixo, Tony contou com a presença de dois dos mais virtuosos e versáteis bateristas de sua geração, Deen Castronovo (Journey, Ozzy Osbourne, Bad English, Hardline…) e Atma Anur (Cacophony, Richie Kotzen, Greg Howe), que se revezaram em dez das 11 faixas presentes. Tão importante quanto é a presença de dois convidados especiais: os guitarristas Jeff Watson (Night Ranger) e George Lynch (Dokken). Disse dez faixas pois uma delas, “Etude #4 Opus #10”, trata-se de uma composição de Frédéric Chopin, executada por MacAlpine ao piano, mostrando toda sua habilidade no instrumento. A gravação de peças de autoria de Chopin, que havia se iniciado com “Chopin, Prelude 16, Opus 28” em Edge of Insanity, se tornaria uma constante nos álbuns de Tony.

É com teclados emulando um cravo que o disco tem início através de “Autumn Lords”, protagonizando, no decorrer da faixa, duelos com a guitarra certeira de MacAlpine, que soa mais bem produzida do que em Edge of Insanity. A construção de belíssimas melodias através de seus dedos já dá as caras desde os primeiros instantes, oferecendo uma audição agradável mesmo àqueles que não são tão chegados a virtuosismos em excesso. Por outro lado, “Hundreds of Thousands” pode assustar quem não está acostumado com uma grande quantidade de notas sendo executadas em um curto espaço de tempo, sendo dona de características mais heavy metal, acentuadas pela performance avassaladora de Deen Castronovo. Aliás, é necessário citar: engana-se quem pensa que apenas guitarristas podem vir a ser atraídos por esse trabalho. As linhas executadas por Deen e por Atma Anur serviram de inspiração para diversos bateristas e aspirantes, seduzidos pela técnica em prol de uma música desafiadora. Em “Hundreds of Thousands”, por exemplo, fica difícil decidir se fazemos air guitar ou air drums!

A terceira canção, “Tears of Sahara”, é a primeira a contar com a presença de George Lynch, e é prova incontestável do crescimento de Tony como compositor em relação a Edge of Insanity. A faixa é recheada de melodias cativantes e de guitarras executando linhas que esbanjam bom gosto e musicalidade apurada, enquanto Deen executa dessa vez um acompanhamento mais simples, propício para que Tony e George brilhem, em especial na sequência de solos executados por ambos. Lynch, que sempre foi incontestavelmente o maior destaque no Dokken, encontrou em MacAlpine um “adversário” à altura, tornando “Tears of Sahara” um clássico da guitarra bem tocada. Perfeita!

“Key to the City” demonstra uma certa acessibilidade em relação ao resto das faixas, unindo bases mais hard rock com uma guitarra solo praticamente cantável, dessas que grudam na cabeça do ouvinte. O lado mais heavy metal volta com tudo em “The Time and the Test”, remetendo a “Hundreds of Thousands”, com Tony direcionando toda sua técnica na construção dessa canção curta e urgente. Introduzida pela bateria de Castronovo, “The King’s Cup” pisa levemente no freio em relação à anterior, mas ainda traz a execução de linhas velozes e intrincadas, misturadas a outras mais melódicas. Nessa, é a vez de Jeff Watson duelar e atuar em dueto com Tony, deixando sua marca nesse que tenho como um dos melhores trabalhos instrumentais direcionados à guitarra, em especial da geração oitentista.

Tony MacAlpine em 1987.

Dona de bases mais simples e de um baixo marcado, “Sacred Wonder” ilustra bem as diferentes timbragens usadas por Tony no álbum, que, segundo o próprio, estavam muito melhor definidas que no anterior por conta do uso de melhor equipamento, incluindo sua guitarra. Após “Etude #4 Opus #10”, que já citei mais acima, MacAlpine ataca, junto a George Lynch, com aquela que talvez seja a mais malmsteeniana do disco, “The Vision”, recheada de solos insanos e digna de competir com as mais velozes composições do sueco endiabrado.

Dominada pela união entre teclados e guitarra, muitas vezes executados em perfeito dueto, “Dreamstate” é outra que, assim como “Key to the City”, traz uma certa acessibilidade, graças a algumas linhas memoráveis. A faixa que encerra o álbum, “Porcelain Doll”, é mais uma a homenagear o maior inspirador de MacAlpine, sendo baseada em um movimento de uma sonata de Frédéric Chopin. Lenta e melodiosa, encerra confortavelmente um disco recheado de notas como poucos, mas todas muito bem encaixadas, atuando em favor da música desse talentosíssimo e hoje em dia pouco reconhecido músico, ao menos no mainstream. Certamente alguns dirão que trata-se de “bululu” puro e simples, virtuosismo vazio e música para músicos, mas a quantidade de melodias cativantes provenientes dos dedos de Tony MacAlpine, seja na guitarra ou nos teclados, me faz discordar totalmente de quem tem essa opinião. O guitarrista ainda gravaria diversos álbuns, além de atuar em outras frentes, incluindo aí a banda de Steve Vai, inclusive ao lado do G3, projeto organizado por Joe Satriani, sempre incluindo mais dois guitarristas (sendo Vai normalmente um deles). Mas em nenhum desses o músico obteria tanto reconhecimento quanto em Maximum Security, um marco da guitarra virtuosa.

Tracklist:

1. Autumn Lords
2. Hundreds of Thousands
3. Tears of Sahara
4. Key to the City
5. The Time and the Test
6. The King’s Cup
7. Sacred Wonder
8. Etude #4 Opus #10
9. The Vision
10. Dreamstate
11. Porcelain Doll

9 comentários sobre “Tony MacAlpine – Maximum Security [1987]

  1. Caralho, como q ninguem comentou esse texto ainda? Eu não conheço a obra do Macalpine, mas me prestei aouvir o que o Diogo colocou no ar. "Hundreds of Thousands" é um petardo. Que melodia! Mesmo as centenas de notas por segundo fazem uma melodia belissima, altamente clássica, tipo beethoven ou vivaldi, similar ao Uli (genérico talvez), e cara, o Castronovo ta detonando!!!

    O AOR de "Tears of Sahara" me lembra um clássico dos anos 80: "Top Gun Anthem" com o Steve Stevens (alias Diogo, a trilha do Top Gun poderia um dia aparecer no I Waana Go Back?

    "The King's Cup" é uma pedrada assim como "Hundred of Thousands". Va se catar, isso é mezzo Uli, mezzo Blackmore. Que coisa linda! O Watson está tocando muito, e Diogo, quem começa o solo é exatamente o Watson (tipo, o MacAlpine é quem responde ele, encerrando o solo, estou certo?)

    Acertasse em cheio, "The Vision" é bem malmsteen, e foi a que menos curti. Ouvi ainda "Sacred Wonder", e a levada quadrada não me agradou, mas o solo é muito melódico e bonito.

    Enfim, vou correr atrás do CD, e a impressão que eu tive é que as influências de Chopin não são ão óbvias assim, mas as influencias em Uli Roth, bah, essas são evidentes.

    Alguem mais preste-se a ouvir as canções e comentar depois, pq merece!

  2. Valeu, Mairon… esse disco é um clássico da guitarra bem tocada, e quem só escuta punheta em seu track list deve ter graves problemas de audição. Sem falar que não deve nada a muitos outros guitarristas muito mais reconhecidos. Na verdade Tony supera a maioria!

    Cara, você acertou em cheio… em "The King's Cup" o Jeff Watson puxa o primeiro solo e Tony o responde, e assim sucessivamente por seis solos distintos, Jeff no canal direito e Tony no esquerdo. Apenas o último é feito em dueto.

    Sobre a trilha de "Top Gun"… olha, ela até que se prestaria a aparecer na "I Wanna Go Back" sim… inclusive, ela também conta com a presença de Giorgio Moroder nas composições, assim como na única trilha sonora que abordei na coluna, "Over the Top". Aliás, "Take My Breath Away" lhe rendeu um prêmio Oscar e um Globo de Ouro!

  3. Fiquei adiando tanto a leitura desse texto que ia passando batido, não fosse o comentário do Mairon. Aproveitei a boa conexão do PC da minha esposa pra conferir os videos. Não é meu tipo de música.. (E olhe que eu gosto muito de variar!) Me empolguei com as influências de Chopin, pois é um compositor que adoro, mas como bem disse o Mairon, essas influências não aparecem no som do cara. Talvez eu dê uma chance ao cara depois, não sei.. De qualquer modo, parabéns pelo texto, Diogo. Como sempre, impecável!

  4. Excelente texto. Tony MacAlpine é um dos meu guitarristas favoritos dos anos 80 e olha que shred não faz bem meu estilo. Mas é bem como você disse, a virtuosidade dele é de muito bom gosto, é como a própria música clássica, era virtuosa porque a música pedia aquilo, não porque queriam punhetar ou qualquer coisa, as notas de Tony estam onde deveriam estar, não falta nem sobra!

  5. Valeu, Rafael… penso mais ou menos como escreveste: as notas, apesar de múltiplas, estão perfeitamente encaixadas!

    Ainda quero resenhar, mais adiante, outros discos voltados à guitarra bem tocada surgidos na segunda metade dos anos 80. Felizmente, material existe bastante!

  6. Tony Macalpine é um dos meus favoritos e Maximum Security, é uma verdadeira obra de arte.

    1. Havia até esquecido que escrevi essa resenha, Marco. Obrigado por me lembrar. O texto não envelheceu tão bem, mas o disco segue muito bem cotado por aqui, certamente um dos meus preferidaços em se tratando de obras solo de guitarristas.

      1. Não entendi o porquê acha que o seu texto não envelheceu bem. Disserte mais a respeito. 😛

      2. André, penso que esse tipo de resenha descritiva, estilo faixa a faixa, faz mais sentido se feita por alguém que tem um conhecimento mais amplo de música, não apenas como ouvinte, que é o meu caso. Acho que a descrição acaba sendo um pouco limitada dessa maneira.

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