I Wanna Go Back: Ten – X [1996]

I Wanna Go Back: Ten – X [1996]

Por Diogo Bizotto
Já comentei anteriormente nessa coluna o quanto o AOR, mais que um gênero estabelecido, pode misturar-se a outros, aproximando-se, por exemplo, diversas vezes do heavy metal. Citei o caso dos ingleses do Saxon, banda tipicamente heavy metal, mas que teve um flerte com o AOR na segunda metade dos anos 80, culminando no álbum Destiny (1988). Para alguns, o grupo foi bem sucedido nessa mistura, mas para muitos o resultado foi indigesto, denotando a falta de vocação do Saxon na prática da “farofada”.

Alguns grupos, no entanto, conseguem fazer essa união soar bastante natural desde o princípio. Entre os que já tive o prazer de ouvir, o que julgo forjar com maior maestria uma sonoridade que consegue unir um instrumental diversas vezes pesado, destacando riffs heavy metal, a vocais e linhas melódicas típicas do AOR, além de teclados encaixados na proposta é a banda inglesa Ten.

Mais que uma reunião ortodoxa de músicos, o Ten surgiu meio que por acaso. Em 1993, enquanto o vocalista Gary Hughes, já com um certo nome na seara mais melódica do hard rock, preparava novas composições que fariam parte de seu quarto álbum solo, iniciou uma busca por um guitarrista a fim de juntar-se a ele na execução das linhas que tinha em mente. Inicialmente, Gary tinha a intenção de contar com um norte-americano, como os ex-House of Lords Doug Aldrich e Lanny Cordola. No entanto, acabou aproximando-se de um conterrâneo, Vinny Burns, que já havia tocado com o Dare, banda liderada pelo ex-Thin Lizzy Darren Wharton, e com o Asia, na época em que a função de baixista e vocalista do grupo era ocupada por John Payne.

A união entre os dois, somada à intervenção do produtor Mike Stone, profissional responsável por álbuns multiplatinados junto a grupos como Journey, Whitesnake, Queen e Asia, desviou a direção dos trabalhos, encaminhando aquilo que seria um disco solo para um novo projeto, o Ten. O baterista Greg Morgan, outro ex-Dare, reforçaria a nova banda em 1995, enquanto o baixo, teclados e outros instrumentos seriam tocados por músicos de estúdio, sob a orientação dos produtores Mike Stone e Gary Hughes, esse último autor de praticamente a totalidade das músicas de X, lançado em maio de 1996. O álbum seguinte, The Name of the Rose, lançado apenas quatro meses depois, em setembro, já contando com a presença de novos membros efetivos, também seria resultado direto das sessões de composição e gravação para X.

O material apresentado no disco reflete em sua maior parte o que descrevi mais acima: enquanto o guitarrista Vinny Burns executa riffs que apostam em sua faceta mais heavy, algo que diversas vezes também se mostra na timbragem do instrumento, Gary Hughes executa linhas vocais ricas em melodias memoráveis. É inegável que as amadas/odiadas baladas também se fazem presentes, investindo em teclados, presença constante em todo o track list. Inegável também é a semelhança do timbre de Gary com o do norte-americano Lou Gramm, vocalista de um dos maiores pioneiros em se tratando de AOR, o Foreigner. A diferença mais perceptível, estilisticamente, é o pouco uso de vocais rasgados por Gary, recurso muitas vezes utilizado por Gramm.

“It’s All About Love”, faixa que abre o disco após a execução de “The Crusades”, uma introdução com ênfase nas habilidades de Vinny Burns, é um bom exemplo da combinação de uma instrumentação pesada, com ênfase em riffs ganchudos e uma base baixo/bateria sem frescuras, contrastando com a elegância dos vocais de Hughes e seu refrão simples que conta com backing vocals bem postados. Longa, a música oferece momentos de destaque solo de Vinny e do baixista contratado, Mark Harrison. Melhor ainda é a seguinte, “After the Love Has Gone”, iniciada apenas com diversos vocais sobrepostos, algo que é cortado com a entrada de todos os outros instrumentos, em especial a guitarra, que é um convite a balançar a cabeça. O encaixe com a letra entoada pelos melódicos vocais de Gary Hughes é perfeito, tornando “After the Love Has Gone” mais que uma simples canção de amor, mas dona de um tom medieval, algo refletido no bom forjar de versos e no clima mais soturno passado pelo instrumental, que inclui diversas passagens de teclado emulando piano e o uso do talk box por Vinny.

Line-up base de X: Vinny Burns, Gary Hughes e Greg Morgan

Primeira balada do disco, “Yesterday Lies in the Flames” traz novamente um toque diferente, quase místico, diferindo muito das músicas do mesmo gênero geralmente criadas por artistas de AOR e hard rock. O teclado aparece com força em sua introdução, trabalhando em conjunto com baixo e bateria para criar a atmosfera reforçada pelos vocais classudos de Gary. O refrão, candidato a melhor do disco, demonstra o dedo do produtor Mike Stone, sempre hábil em trabalhar as vocalizações nos grupos que produziu. Difícil imaginar que uma música dessas foi lançada em 1996, época bastante infrutífera para grupos tanto de AOR quanto de rock mais pesado. Não à toa o território onde o Ten foi melhor recebido é o Japão, refúgio de diversos artistas que estavam em baixa nos EUA e na Europa.

Possuidora de um andamento mais quadrado, “The Torch” é simples e efetiva, criando uma base para que Gary brilhe não apenas com suas linhas vocais, mas com mais uma letra de muito bom gosto, mostrando-se muito mais criativo que a média, sem apelar para construções e rimas batidas, trabalhando as palavras como um cuidadoso ourives, sem jamais perder o sentido, e tornando uma faixa a princípio comum em algo de muito bom gosto. Parece que, apenas para que eu me contradiga, a canção seguinte, “Stay With Me”, apresenta uma letra mais simples. Em compensação, seu instrumental mais acelerado a destaca das demais, incluindo passagens ao violão, enquanto “Close Your Eyes and Dream” é uma balada que mostra Vinny criando linhas menos baseadas em riffs e mais em pequenos solos cheios de melodia, abrindo as estrofes. Mais tradicional que “Yesterday Lies in the Flames”, mas ainda assim muito boa!

“Eyes of a Child” pode não ser um destaque, mas traz uma letra bem humorada sobre a relação entre meninos e meninas e as diferenças que surgem com a maturidade, refletindo nos relacionamentos. A subsequente, “Can’t Slow Down”, constitui o ponto menos memorável do álbum, enquanto “Lamb to the Slaughter” eleva novamente o ânimo através de guitarras bem trabalhadas, em especial o nada óbvio riff de abertura. Mas a última faixa revela um dos melhores momentos do disco, com “Soliloquy/The Loneliest Place in the World”. A longa música, recheada de cordas, cortesia do produtor Mike Stone, carrega um tom épico, fazendo com que uma letra ultra-romântica torne-se algo mais palatável para quem não é fã da temática, tomando para si uma aura quase medieval, mais que em qualquer outra faixa de X.

Apesar do pequeno reconhecimento no Brasil, costumo recomendar o Ten para quem busca um som que destoa de sua época, quando o rock tido como “alternativo” dominava as ondas sonoras. A quem interessar, o álbum seguinte, The Name of the Rose, segue a mesma linha, alternando faixas mais heavy metal, como sua faixa-título, e diversas baladas de bom gosto, como “Wildest Dreams”. Sem dúvida, tanto quanto X, apresenta toda a classe e elegância dessa banda inglesa, que merece um pouco mais de crédito pela coragem em praticar uma sonoridade como a que faz em uma época totalmente atípica.

Track list:

1. The Crusades/It’s All About Love
2. After the Love Has Gone
3. Yesterday Lies in the Flames
4. The Torch
5. Stay With Me
6. Close Your Eyes and Dream
7. Eyes of a Child
8. Can’t Slow Down
9. Lamb to the Slaughter
10. Soliloquy/The Loneliest Place in the World

6 comentários sobre “I Wanna Go Back: Ten – X [1996]

  1. Belo texto, Diogo, impecável. Quanto à banda, não fosse a quantidade de coisas aqui na fila, eu dava uma boa conferida, pois gostei do que li. Desisti de carregar videos, pq levo o dia inteiro com isso…

  2. Diogo, dos videos q disponibiliza-se até que gostei da maioria, mas a suíte de 10 minutos é meio chatinha de se ouvir até o fim. Tens razão com a comparação das vozes entre Hughes e Gramm é realmente notável, mas eu prefiro as "afeminadas" do gramm. Enfim, outra boa banda, mas não compraria o cd.

  3. Pois é, boa comparação… a voz do Gary Hughes é sóbria em todos os momentos, enquanto o Lou Gramm rasga mais e oferece uma variação mais ampla.

    Mas em relação a essa mistura AOR + heavy metal, vocês acham que o grupo correspondeu, conseguiu fazer a união com propriedade, independente de gosto musical? Eu acredito que eles o fazem muito melhor que o Saxon fez em "Destiny", sem dúvida.

  4. Com certeza é melhor q o Saxon, mas o problem a é que e gosto de Saxon das origens, portanto, eu posso estar influenciado pelos primordios do grupo para definir isso.

  5. Procurando por materiais sobre o TEN, que conheci há uns 6 meses (e curti pra caralho!), achei esse blog. Excelentes comentários na minha opinião, e já baixei o "The Name of The Rose" pra conferir aqui heheheh.. ps: a julgar pelo único cd que conheço até o momento, não sei como só ouvi falar da banda UMA vez até hj 🙁

  6. Se você curtiu "The Name of the Rose", pode ir na fé que o Ten lhe proporcionará bem mais material do seu agrado, em especial esse ótimo primeiro disco. Certamente trata-se de uma banda única.

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