Arnaldo Baptista: uma análise da letra de “Sunshine”

Arnaldo Baptista: uma análise da letra de “Sunshine”
 

Por Mairon Machado

Inspirado no texto do Micael sobre a letra de “In the Presence of the Enemies”, do Dream Theater, resolvi resgatar uma antiga conversa que eu e Micael tivemos há uns 5 anos. Eu e meu irmão sempre discutimos sobre muita coisa, principalmente música, e quase nunca chegamos a uma conclusão por termos gostos musicais e visões bem diferentes na maioria das coisas. 

Em uma determinada época de nossas vidas, quando eu estava no auge da minha paixão por Arnaldo Baptista (que ainda continua até os dias de hoje, porém não preciso ouvi-lo todos os dias), eu tentava convencer o Micael de que Arnaldo Baptista era um gênio não somente como músico, mas como letrista. O Micael riu, dizendo que frases como “o meu refrigerador não funciona” e “antes do outro comercial” realmente eram frases geniais, já que não tinham sentido nenhum.

Patrulha do Espaço em 1978: Arnaldo, Oswaldo, John e Rolando
Fiquei p… da vida com aquilo, e me prestei a fazer um tratamento linha por linha do que “Sunshine”, onde a frase “antes do outro comercial” está inserida, e que foi registrada em 1977, mas foi lançada apenas no álbum Elo Perdido (1988), significava.
Antes de começar a destrinchar a letra, é preciso se colocar na situação que Arnaldo se encontrava no ano de 1977. Para aqueles que estão perdidos na história, Arnaldo era tecladista, baixista, vocalista e líder do grupo Os Mutantes, ao lado de Rita Lee e seu irmão, Serginho Dias, e depois fundou outro grande nome do rock brasileiro, o Patrulha do Espaço. Com a saída dos Mutantes, Arnaldo lançou o excelente Lóki! (1974), que foi imensamente elogiado pela crítica, mas que não foi compreendido pela massa admiradora de música, e afundou nas prateleiras das lojas, deixando Arnaldo com o apelido de Lóki, alcunha pela qual ele nunca gostou de ser chamado.
Arnaldo e Rita: Amor, Estranho Amor
Sem dinheiro, sem uma gravadora e vendo Rita Lee (o grande amor mal resolvido da vida de Arnaldo) fazer sucesso ao lado do seu novo marido, Roberto de Carvalho, bem como Sérgio comandando os Mutantes com braços fortes e lotando casas de shows Brasil afora, Arnaldo fundou a Patrulha do Espaço ao lado do baterista Rolando Castelo Jr. e também de Oswaldo Gennari (baixo) e John Flavin (guitarras), em meados de 1977.

Com o grupo, Arnaldo fez diversas gravações que demorariam anos para serem lançadas, algumas das quais já haviam sido registradas com Arnaldo interpretando as mesmas sozinho (no famoso álbum Singin’ Alone). Porém, o contato com o novo grupo fez Arnaldo botar todo seu sentimento para fora na canção que batizou de “Sunshine”.
Patrulha em 1977: Rolando, Oswaldo, John e Arnaldo.
O que segue é a descrição que enviei para o Micael, e que pode não ser a correta e tampouco significa o que o Arnaldo tinha em mente quando a construiu, mas que, de qualquer forma, acabou convencendo o Micael que a frase “antes de outro comercial” tinha uma importância enorme dentro da discografia desse monstro do rock mundial, e que espero poder dividir e discutir com vocês, apreciadores desse grande gênio brasileiro.
A canção começa com as frases:

“I wanna see the raise of sunshine
Antes doutro comercial” 
Bom, aqui o Arnaldo já explica a letra. É muito mais importante VER um nascer do sol do que um PROGRAMA DE TELEVISÃO, ou seja, tens que dar valor as coisas da natureza, aproveitar a vida, e não te prender a uma mesmice, uma rotina, como ver TV (claro, conhecendo o Arnaldo, sabemos que o que ele quer dizer aí na verdade refere-se as inovações musicais da época). Portanto, viva o que realmente é belo.
“E baseado num céu genuíno
Estrear no carnaval.”
O que é um céu genuíno? Bom, você pode dizer que é um CÉU AZUL. Mas na verdade, um céu genuíno é um céu cheio de estrelas. Então, aqui o Arnaldo diz que mesmo com um monte de ESTRELAS na música (e baseando-se no que elas fazem/fizeram), ele vai estrear no “carnaval”, que eu interpreto como a carreira solo dele, já que ele não considera o Lóki! como um disco dele. Isso foi dito em várias entrevistas dadas pelo Arnaldo a rádios na época de lançamento de Lóki!. Uma delas, para a Rádio Bandeirantes, é facilmente encontrada para download em diversos sites. Portanto, ele ja está dizendo que vai se influenciar pelos outros pra começar a carreira, mas sempre vendo as coisas boas q foram feitas (Sunshine), e não perdendo tempo com as coisas ruins (o programa de TV).

Serginho e Arnaldo fazendo as pazes em 1986
“Não sei se a guerra é na próxima sexta
Ou se é lá noutro canal”
Mais uma comparação do Arnaldo com a TV. Qual guerra? Lógico, olha a época, 1977, a guerra que se tinha era a dele com o seu irmão Serginho, justamente na fase que ele ia pros shows dos Mutantes fazer participações especiais. Portanto, na realidade o que ele quer dizer é que ele na realidade está envolvido no meio de uma guerra, mas não sabe se é uma guerra de verdade, como por exemplo as das emissoras de TV, que na época – e ainda hoje – brigam por qualquer ponto de audiência. Afinal, por que essa briga por audiência? (ou do ponto de vista do Arnaldo, por que ele brigou com o Serginho?). A Sexta certamente refere-se a isso (próxima sexta = próxima data do show). Claro, ao ver o Serginho como o centro das atenções, e ele como um palhaço vestido de cowboy fazendo uma participação especial sem ninguém saber quem ele era, surgia na cabeça de Arnaldo uma GUERRA DE EGOS, tal como a das TV. 

“Enquanto isso sinto a fome do rico
Nesse trânsito infernal”
Qual é a fome do rico? Dinheiro, muito dinheiro! O que torna mais claro o parágrafo acima. A guerra do Arnaldo com Sérgio Dias tirou a grana dele. Com isso, ele ficou sendo MAIS UM, e não O ARNALDO (por isso trânsito infernal) no meio de um monte de músicos que tentam sucesso, lembrando que Arnaldo ficou anos atrás de uma gravadora, mais um músico atrás de dinheiro no trânsito infernal de bandas e cantores buscando gravadoras.
“Quero cantar no meio da chuva
Lá no fundo do quintal”
Simples né, ele quer fazer algo que todo mundo gostaria de fazer, mas não admite, o que é uma coisa simples demais (cantar no meio da chuva, escondido  no fundo do quintal, quem nunca pensou em fazer isso?). Portanto, ele quer só tocar, nada mais, quer levar a vida numa boa. É isso!
“I wanna see the raise of sunshine
No eterno azul do mar”
Sem cometários adicionais, apenas mais uma afirmação do primeiro parágrafo.

Arnaldo Alone

“Sunshine, sunshine

Eu sei q o mundo está super populado
Mas não há niguém no meu quintal”
Essa é fácil. Com bilhões de pessoas no mundo, Arnaldo se encontrava sozinho, tanto do ponto de vista amoroso quando musicalmente falando, sendo que, como citado, foi exatamente nessa época que ele gravou o álbum Singin’ Alone completamente sozinho, tocando todos os instrumentos.
“Não sei se tenho o rei na barriga
Mas um frango não faz mal”

Quem tem o rei na barriga? Aquele que come demais? Não, pro Arnaldo, o rei na barriga refere-se a você experimentar as coisas que tem a disposição, de você sentir o que cada pequena nota, cada pequeno acorde pode mudar um sentido em um som. Por isso um frango não faz mal, pois o que o que ele quer dizer é que você fazer algo que seja comum (comer um frango), mas que seja proveitoso, não custa nada e faz bem. Daí o fato de ele não saber se tem o rei na barriga (já que ele conhecia de tudo um pouco), mas de um frango não fazer mal (só tocar o mesmo rock ‘n’ roll, mas bem tocado, não faz mal a ninguém, não precisa virtuosísmos como o do Serginho, trabalhos elaborados como o da Rita…)

Arnaldo em 1977

“Como vai você? Tudo bem?? Assistiu ao futebol?”

Isso é uma pergunta para o ouvinte. Afinal, ele esta colocando algo que a maioria das pessoas fazem (assistir ao futebol), e daí finge que está tudo bem, tudo na boa. Mas realmente, como vai você? Tudo bem?
“Podes crer, tudo bem, tudo, tudo isso
É melhor e não faz mal”
Ou seja, o parágrafo inicial. Vale a pena você aproveitar a vida com coisas simples, como um nascer do sol, um frango, do que ficar perdendo tempo vendo TV, tentando tocar funk, jazz, progressivo, escalas absurdas…
“Bap-tchu-bah, Tchu-wap-bap-tchu-bah ieeeeeeeeee”
E Arnaldo encerra cantando as boas e simples frases do rock ‘n’ roll, fazendo exatamente o que ele quer fazer de uma maneira simples, e principalmente, se divertindo com isto. Resumindo, “Sunshine” é uma amostra de quanto o Arnaldo estava fulo da vida por não darem valor pro trabalho dele, onde ele tenta justificar o que ele realmente esta fazendo, que é tocar o que gosta, sem ser virtuosístico ou algo do estilo, mas sendo apenas ele mesmo.
Um bonito “Sunshine” em Porto Alegre

E quero agradecer ao Micael por esse papo que tivemos, onde repito, posso não estar certo em nada dessa avaliação, mas baseado na vida de Arnaldo a época da gravação de “Sunshine”, realmente dá a entender.

15 comentários sobre “Arnaldo Baptista: uma análise da letra de “Sunshine”

  1. Uma das vantagens (talvez a única) de ser meio velhusto é que presenciei algumas coisas in loco, numa época em que muitos aqui do blog ainda eram projetos de gente (não confundam isso com saudosismo, por favor). Por exemplo: vi um show da Rita Lee no Teatro Ruth Escobar quando ela estava lançando o Tutti-Frutticom o Carlini. Vi também o Secos e Molhados antes da fama, em um show no Teatro Itália, e vários outros grupos, tudo aqui em São Paulo, entre os anos 70 e 76 mais ou menos. E vi também alguns shows na lendária Tenda do Calvário. Lembro mais ou menos de dois deles: O Som Nosso de Cada Dia e o do Arnaldo Batista. Devem ter acontecido entre 74 e 75. Arnaldo, me lembro, usava um colant preto inteiriço e me impressionou muito porque eu era alucinado pelos Mutantes. Mas sempre achei que nesse show ele era acompanhado pela Patrulha do Espaço e lendo seu texto, Mairon, comecei a duvidar da minha memória. Talvez ele tenha tocado sozinho, acompanhado apenas do órgão e talvez um violão. Sei lá, faz tanto tempo. Fui pesquisar, mas na net não encontrei nada a respeito desse show. Por outro lado, achei um endereço que conta a história da Tenda do Calvário e é uma ótima história para quem quiser saber como era o relacionamento polícia/roqueiros maconheiros nesses anos de ditadura:
    http://www.celsobarbieri.co.uk/index.php?option=com_content&view=article&id=64:caplo-iii-tenda-do-calvo&catid=28:memorias-do-barbieri&Itemid=43
    Quanto à interpretação que fez da letra, Mairon, não sei o que dizer. Me parece que muita coisa casa com aquele momento do Arnaldo, mas será mesmo? Enfim, é interessante ler essas associações.

  2. Camarada Mairon, me desculpa o que eu vou dizer já jogando um balde de água fria em vc, mas tenho que dizer – primeiro, não vejo absolutamente nada de legal nessa letra. Segundo – se a sua interpretação estiver correta com o que cara quis dizer (e sua argumentação é boa o suficiente pra me convencer em boa parte disso), o Arnaldo caiu mais ainda no meu conceito. Na boa, eu acho o cara super-inflado (não me assassine por favor kkkkk). É talentoso e tal, mas por ele ter caído do cavalo assim tão feio quanto caiu, me parece que entra um sentimento nas pessoas tal como uma espécie de compaixão e beatificação do cara, que foi o que eu senti ao ver aquele documentário dele. Ele tem seu mérito, claro.
    Mas voltando ao texto – a sua interpretação da letra vem de encontro a uma opinião que eu tenho a respeito dele – ele se achava o bam-bam-bam, o rei da cocada preta nos Mutantes, aí começou a se dar mal com a Rita e entrou numas paradas erradas com drogas e tudo mais e ficou se lamentando pq, ai, ninguém me ama ninguém me quer, vendo seus ex-companheiros se dando bem. Aí, faz um trampo, ninguém entende, e sente injustiçado, afunda-se mais ainda nas drogas, perdendo o bonde da história e passando anos no semi-ostracismo. Musicalmente, acho seus trabalhos solos de uma chatice colossal.
    Desculpa a franqueza, de qualquer forma, seu texto é sempre muito bom de ler!
    Abraço!
    Ronaldo

  3. Ronaldo, obrigado pelas tuas críticas sempre construtivas. Simplesmente detratar é fácil, mas as suas críticas são fundamentadas e levam à reflexão, e consequentemente à melhora (assim espero, hehe).

    Abraço!

  4. Grande Ronaldo, tu és meu ídolo. As tuas frases "ele se achava o bam-bam-bam, o rei da cocada preta nos Mutantes, aí começou a se dar mal com a Rita e entrou numas paradas erradas com drogas e tudo mais e ficou se lamentando pq, ai, ninguém me ama ninguém me quer, vendo seus ex-companheiros se dando bem" se encaixam perfeitamente em muitos contextos que estamos presenciando atualmente, só que não sei bem se encaixa-se na questao do Arnaldo, pois ele era o maioral mesmo dentre os três.

    E permita-me discordar um pouco mais de ti, se é que tenho esse direito. Quando tu diz que achas os trabalhos solos de uma chatice colossal. Eu admiro a obra do Arnaldo mesmo antes de saber o q tinha se passado na vida dele, logicamente pq eu apenas conhecia a fase Mutantes. Quando ouvi o Loki eu simplesmente pirei! Depois, mas bem depois, eu fui saber das historias, e me encantei ainda mais com o disco. Ta certo que eu gosto de coisas que paramuitos nao prestam, mas em termos de Arnaldo, com todo o perdão, preciso discordar pq não fui levado pelo misticismo que por um lado tu tens razão, mas sim pelas letras e pela emotividade que ele coloca nas canções. E eu acho ele um baita tecladista.

    Muito obrigado, comentaários como os teus servem cada vez mais para motivar a fazer textos e sairmos do mundo do trabalho (no meu caso, do mundo das contas e equações matematicas).

    Um abração e ressalto, tu não deixas de ter razão em determinados pontos.

  5. Grande Mairon, a admiração é mútua, pode ter certeza! valeu por não ter esculachado minha opinião hahuahuahuahua evidentemente que vc não iria concordar comigo, pq vc gosta do cara. Eu tb não sabia das histórias da vida dele e pouco sobre a carreira dos Mutantes quando tomei conhecimento dos discos Loki e Elo Perdido. Mas realmente, não me bateu nem na primeira audição (época em que eu era um hardeiro 70 convicto) e nem agora (época em que considero que expandi muito meu portfólio de sons, agregando outros estilos além do rock). Sempre me soa triste (pela história do cara, é fácil saber pq), pra baixo, melancólico e/ou irônico, características que de fato eu não aprecio na música de uma forma geral. Mas eu respeito seu gosto e o dos inúmeros fãs que ele tem! Como disse, eu sei do valor do cara.
    Abração!!!
    Ronaldo

  6. Só uma correção. O guitarrista que aparece nas fotos creditado como John é na verdade o Eduardo 'Dudu' Chermont. O John Flavin saiu da banda ainda na fase de ensaios antes da estréia em palcos.

  7. Uma coisa interessante,é que o filho de John Lennon,é fã número um dos Mutantes,e certa feita,enviou um e-mail,para Sérgio Dias,lhe perguntando,qual era a sua maior influênica,e Sérgio,sentiu uma vontade de lhe dizer:"O seu pai,né sua besta!!!"Deveria,ter lhe respondido assim!!Que cara mais tapado,esse Sean Lennon!!

  8. O Arnaldo Batista,é uma espécie,de Syd Barret,brasileiro,tão,lisérgico,quanto,o inglês.No documentário,do Arnaldo,na parte,em que falam,do acidente,que ele,sofreu,quando caiu,do quinto,andar da clínica,em que estava,a única,pessoa,que ficou,ao lado dele,depois,quando,estava,em casa,era uma fã sua Lucinha Barbosa,que se tornaria,sua futura esposa,com quem esta casado,até hoje.É muito deprê esse filme.Mostra,como,as drogas,podem ser prejudiciais,com pessoas,que não sabem se controlar,e no caso,de Arnaldo,depressivas

  9. Parabéns pelo texto. Também penso assim, o que parece sem sentido para a maioria, faz sentido para Arnaldo Baptista e para nós, essa é a arte do rock. "Desculpe a sinceridade, mas, quem faria alguma crítica a Amado Batista com mais de quatro palavras?". Abraço.

  10. Eu amei esta resenha, simplesmente fantástica, considero o Arnaldo, MEU ÍDOLO SUPREMO msm, o cara é foda demais, as letras, as composições, e achei genial esta resenha, Mairon, já tinha lido esta resenha ano passado, e algumas vezes depois, de tanto que curti, e li de novo agora, eu amo o Arnaldo, ele simplesmente é o melhor do melhor, e achei interessante vc falando sobre esta coisa do Arnaldo largar o Prog e voltar a tocar os Rock N' Roll simples, eu assim como vc sou um aficcionado em Rock Progressivo, é meu estilo preferido junto com Psicodélico, mas eu acho muito interessante tbm esta parada de fazer as coisas simples como diz esta letra, de tocar as coisas simples e bem, fantástico demais, temos que sempre admirar e amar a natureza e sua pureza acima de tudo nesta vida…Valeu por mais uma resenha maravilhosa, e um grande abraçaço…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.